100 anos de Dona Zica, uma data para lembrar nesta 4a | Jayme Serva

Dona Zica da Mangueira faria 100 anos amanha. Nascida no bairro da Piedade e moradora do Morro da Mangueira desde os 4 anos de idade, era uma espécie de matriarca e mae dos mangueirenses – o que lhe deu sempre a prerrogativa de nao ser apenas “a mulher do Cartola”. Aliás, chegou lá antes dele, que viria ao morro só em 1919, quando a família nao pôde se manter em Laranjeiras, e teve de mudar para o morro, ainda pouco habitado. Nao eram tempos fáceis para os famílias de ex-escravos.

Na Mangueira, Zica e Cartola se conheceram e ficaram muito amigos, mas nao mais do que isso (se é que isso é pouco). Ela se casou, teve 6 filhos, enviuvou, enquanto ele também teve sua vida afetiva, um tanto mais desastrada. Casou, ficou viúvo, cedo e sem filhos (descobriu mais tarde que era estéril). A tristeza da viuvez é tida como a possível razao que o fez sumir da Mangueira, a ponto de se considerar que ele, coautor do primeiro samba-enredo da escola, tinha morrido.

Cartola foi descoberto, tempos mais tarde, por um jornalista que era uma enciclopédia do samba carioca, Sérgio Porto, mais conhecido pelo pseudônimo Stanislaw Ponte Preta. Saindo de um bar, Sérgio deu com ele numa calçada de Ipanema, lavando e tomando conta de carros. Reza a lenda que a conversa, que deveria ser emocionante pela própria natureza, nao passou de algo como – “Ué, você nao é o Cartola?” – “É, sou eu mesmo”.

A descoberta de Sérgio Porto, espalhada pela imprensa e pelos amigos do samba, trouxe uma nova vida a Cartola, que passou a ser ouvido e respeitado como nunca. Virou “cult”, chegando até a ator do Cinema Novo. Seu retorno à Mangueira o fez reencontrar a amiga de tantos anos. Zica e Cartola se casaram. Há uma linda cançao dele, “Tive Sim”, feita para ela, Zica, em que a letra conta – “Tive sim, outro grande amor antes do seu, tive sim, mas comparar com seu amor seria o fim”.

Zica e Cartola tiveram um reconhecimento público que tem 2 agentes. Um é Sérgio Porto. Outro, bem menos lembrado, e que merece um capítulo à parte, é o jornalista Marcus Pereira, que fez uma gravadora dedicada a raridades da música brasileira. Marcus foi o responsável por sabermos hoje como é a voz de Cartola. Em 1974, quando o sambista já tinha 65 anos, Marcus Pereira o colocou em um estúdio, com músicos de primeira, e gravou-o cantando, o que ninguém havia feito antes. Nao haveria Cartola como lembramos hoje sem Marcus Pereira.

Nenhum deles está mais entre nós. Mas é por isso que vale lembrar a data – ela traz o número redondo de Zica e, com ele, as fraçoes de tempo de Cartola, Sérgio Porto, Marcus Pereira. Memória que merece ficar.

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