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Assange, 2 anos na embaixada | Gov br nao é solidário | leia isso
Por Natalia Viana, no site da Agência Pública
Completaram-se no dia 19/6 dois anos desde que Julian Assange atravessou a porta branca da embaixada equatoriana em Londres, disfarçado, temendo ser interceptado pela polícia britânica que lhe monitorava cada passo através de uma pulseira eletrônica presa ao seu tornozelo. Já fazia entao 1 ano e meio que Julian estava sob prisao domiciliar em uma casa no interior da Inglaterra, após começar o vazamento dos despachos das embaixadas norte-americanas que renderam tantas revelaçoes, tantas reportagens e tanta inspiraçao para tanta gente. Hoje (dia 19) já sao 1289 dias de prisao. Sem qualquer julgamento, sem qualquer condenaçao.
Dentro da embaixada, que fica no andar térreo de 1 prédio vitoriano, em frente ao templo do consumo de Londres, a loja Harrod’s, Julian ocupa duas salas: uma delas, um escritório transformado em quarto onde se amontoam suas poucas mudas de roupa, os presentes que continuam a chegar de todo lado do mundo, cartoes de incentivo, livros, papeis. No outro, apenas uma tela que a equipe usa para projetar fundos diversos quando o jornalista participa por Skype de algum evento – como aconteceu no debate de encerramento do Arena Net Mundial – uma mesa com uma enorme tela de computador e outros, pequenos, espalhados por todo lado. Nao há um quintal onde Julian possa tomar sol quando ele dá o ar da graça na cinzenta Londres, e diante do escritório, cujas cortinas ficam permanentemente fechadas, um carro policial vigia, escuta, espia ostensivamente qualquer movimentaçao lá dentro.
A enxuta equipe do WikiLeaks continua trabalhando com ele todos os dias, mas os horários sao limitados, assim como as visitas que ele pode receber: com o tempo, os rituais para visitar Julian se tornaram mais cansativos, burocráticos, mais lentos. Assim, é um tanto triste o que eu tenho a contar. Estive na embaixada algumas vezes, visitando um amigo que eu admiro pela argúcia e a coragem, que nunca vi igual. A última visita foi em novembro do ano passado. Passamos algumas horas, madrugada adentro, tomando uma vodca que lhe fora presenteada por uma das visitas que recebe quase todos os dias.
Julian estava um pouco irritado. Sua assistente Sarah Harrison estava ainda em Moscou, dando apoio a Edward Snowden, a quem conseguiu tirar de Hong Kong e levar para a Rússia mesmo sem passaporte – um feito inacreditável. Estava claro que Sarah nao poderia voltar a pisar no Reino Unido; poucos meses antes, David Miranda, companheiro do jornalista Glenn Greenwald, fora detido por 9 horas no aeroporto sob a Lei de Terrorismo, por portar documentos de Snowden. A posiçao legal em que Sarah está é bastante complicada: segundo a lei, ela pode ser detida por até 9 horas, e é obrigada a responder quaisquer perguntas e fornecer quaisquer documentos e senha que tenha consigo. Nao lhe é dado, sob essa lei, o direito ao silêncio. Viajar até a sua terra natal significaria, portanto, colocar em risco nao só a si mesma, mas a todos do WikiLeaks e a Edward Snowden (leia o que ela escreveu sobre isso). Hoje em dia, Sarah está vivendo em Berlim, assim como Jacob Applebaum, outro hacker que colabora com o WikiLeaks e Snowden, e Laura Poitras, a documentarista que recebeu os documentos do ex-funcionário da NSA junto com Glenn Greenwald.
Isso significa que muitos dos que sempre apoiaram Julian estao afastados do seu claustro em Londres. Os dias tornam-se cansativos, e o jornalista às vezes se sente “em solitária de fato por 9,10 horas por dia”, como me disse uma vez. O prolongamento da detenção prévia, como sempre, o tem empurrado ao trabalho frenético – hoje o WikiLeaks publicou documentos sobre um acordo multilateral secreto que propõe a liberalização dos serviços (TISA) em 50 países e em breve Julian vai lançar um livro sobre o Google – mas também a uma solidao difícil de suportar. Pela primeira vez, eu temo pelo meu amigo.
No ano passado, o Reino Unido decidiu encerrar o grupo de trabalho que tinha como objetivo negociar com o governo equatoriano o impasse que o mantém trancado naquelas duas salas: o Equador deu asilo a Julian Assange, mas a Inglaterra se nega a dar o salvo-conduto para ele viajar para a América do Sul. A esperança, se era pequena, ruiu. Em resposta, na última semana, o presidente equatoriano Rafael Correa disse a jornalistas: “Estao atentando contra os direitos humanos de uma pessoa.”
Outra voz reiterou essa semana a enorme violaçao de direitos humanos que a situaçao apresenta. Uma coalizao de organizaçoes de advogados – a Associaçao de Juristas Americanos, a Associaçao Europeia de Advogados pela Democracia e Associaçao dos Advogados da Índia entregou um relatório analisando as condiçoes da detençao prévia de Assange à Comissao de Direitos Humanos da ONU. O relatório critica o excesso de poder do Ministério Público na Suécia: “Primeiro, os procuradores rotineiramente colocam os suspeitos em prisoes preventivas longas, isoladas, ou sem explicaçao (…)
Estatísticas recentes mostram que a Suécia está entre os piores países europeus em prisoes preventivas.” O documento também aponta que “nos casos em que indivíduos sob investigação estao fora da Suécia, os procuradores aceitam tomar seu depoimento remotamente em alguns casos, mas nao em outros. As decisoes sobre fazer ou nao um interrogatório remoto sao feitas sem qualquer explicaçao ou base coerente”. No caso de Assange, a acusaçao negou a oferta de realizar o interrogatório na embaixada, ou por Skype.
O relatório, que recomenda mudanças no código penal sueco, será usado como base para os advogados de Assange entrarem com um pedido na Justiça sueca demandando a extinção do pedido de extradiçao e da detençao prévia, que já dura 3 anos e meio. O caso de Julian é o mais extenso caso de detençao sem julgamento na Justiça sueca.
Enquanto isso, o governo brasileiro jamais tomou uma postura proativa diante do impasse do Assange, cada dia mais claramente uma questao de violaçao grave de direitos humanos. O primeiro governo a defender o jornalista – ainda sob o comando de Lula, em 2010 – jamais se ofereceu para mediar o impasse diplomático que envolve o país vizinho. Algo que o Itamaraty mais que provou que tem competência e condições de fazer. Só nao tem vontade.
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