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‘Caso’ Joao Havelange – os jornais nao dizem de onde saem as propinas
Ora, nao é preciso ser diplomado em jornalismo investigativo para adivinhar quem pagou a propina, direta ou indiretamente. No Brasil, até as freiras reclusas sabem quem transmite os principais eventos da Fifa e quais têm sido seus patrocinadores. Mas isso nao vai sair nos jornais.
Luciano Martins Costa sobre o tratamento dado ao assunto Havelange nos jornais brs ontem – integra abaixo – publicado originalmente no Observatorio da Imprensa sob o titulo ‘De onde saem as propinas’.
Os jornais do feriado, ontem, publicam alentadas reportagens informando que, no dia 18 de abril, o presidente de honra da Fifa, Joao Havelange, renunciou ao cargo honorífico para nao ser punido em uma investigaçao sobre pagamento de propinas. Juntamente com Ricardo Teixeira, seu ex-genro e ex-presidente da CBF, e do paraguaio Nicolás Leoz, presidente da Confederaçao Sul-Americana de Futebol e do comitê executivo da Fifa, ele é acusado de receber propinas da agência de marketing esportivo ISL.
O caso vinha se arrastando desde a falência da ISL, ocorrida em 2001, com a descoberta, pela Justiça da Suíça, onde fica a sede da Fifa, de que a empresa havia mantido uma longa relaçao de negócios paralelos com a entidade, pagando propina para influenciar em decisões importantes na organizaçao de competiçoes internacionais de futebol. Embora os nomes dos envolvidos tivessem sido mantidos em sigilo, a imprensa brasileira tinha informaçoes consistentes sobre o esquema, principalmente por conta do trabalho do colunista Juca Kfouri.
O noticiário dos jornais dando conta de que Havelange havia se desvinculado oficialmente da Fifa há quase 2 semanas revela muito pouco. Revela principalmente que a entidade segue sendo uma caixa-preta a cujo conteúdo a imprensa nao tem acesso. Aquilo que é apontado como o epílogo de um processo criminal é apenas uma formalidade para colocar panos quentes em um esquema que certamente vai ter continuidade, com outros nomes na fachada.
Joao Havelange reinou sobre o futebol mundial por quase 25 anos, período em que o esporte se transformou em um negócio planetário de muitos bilhoes. Boa parte de seu poder se baseou na relaçao com a ISL, cujos proprietários sao ligados à empresa de materiais esportivos Adidas. Foi uma longa parceria, iniciada ainda nos anos 1970, e que rendeu grandes lucros para ambas as partes. Mas junto com a grande influência, inclusive sobre as relaçoes entre países, a Fifa também se tornou mais exposta, e as negociatas vieram à tona.
As reportagens publicadas nas ediçoes de ontem, 4a, pela imprensa brasileira, passam a impressao de que o futebol mundial entra agora em nova etapa, livre de trambiques. Mas há muitas perguntas sem resposta, e o fato de a entidade se localizar no espaço nebuloso entre os negócios privados e o ambiente do Estado facilita o acobertamento de irregularidades. Observe-se, por exemplo, que o maior volume de subornos foi pago entre 1992 e 2000, mas, como na época a Fifa nao tinha um código de conduta, os pagamentos da ISL aos dirigentes eram considerados ‘comissao por intermediaçao de negócios’.
O Estado opina diretamente, afirmando que “a prometida açao para punir os responsáveis no futebol e adotar medidas exemplares contra Havelange, Teixeira e Leoz terminou em uma grande pizza”. Com as renúncias, os 3 dirigentes nao sofrerao puniçao e o caso foi encerrado. Muito provavelmente, nos próximos dias também a imprensa deixará o assunto no esquecimento, mesmo porque muitos ganham muito com a intensa movimentaçao financeira em torno dos campeonatos de futebol.
A análise cuidadosa dos relatos feitos pelo Estado, a Folha e o Globo pode deixar o leitor curioso, por exemplo, com a falta de informaçoes sobre o tipo de vantagens que a ISL negociou com os ex-dirigentes do futebol mundial durante todos esses anos. Segundo a investigaçao, os 3 principais acusados receberam subornos que totalizaram entre R$ 40 milhoes e R$ 45 milhoes. O que foi dado em troca? Essa é uma informaçao que falta nos jornais.
Num parágrafo discretamente posicionado no meio do texto, o Estado registra: “O documento confirma que Havelange teria recebido milhoes de dólares, entre 1992 e 2000, em propinas relacionadas à venda de direitos de transmissao para as Copas de 2002 e de 2006”.
Ora, nao é preciso ser diplomado em jornalismo investigativo para adivinhar quem pagou a propina, direta ou indiretamente. No Brasil, até as freiras reclusas sabem quem transmite os principais eventos da Fifa e quais têm sido seus patrocinadores. Mas isso nao vai sair nos jornais.
Francisco
Se a notícia sobre a identidade dos corruptores saísse no Jornal Nacional, poderíamos chamar de “metalinguagem”?
Jayme
Uia!