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Como quiser – jornalismo cidadao, jornalismo em part-time ou jornalismo acidental
Por Adelino Gomes no Observatorio da Imprensa, reproduzido da revista portuguesa Visao
Da Maratona à Terra do Fogo – Em 490 a.C., o soldado Filípides correu 40 quilómetros a pé, de Maratona a Atenas, para anunciar a vitória das forças atenienses sobre os persas. Depois, morreu. No passado dia 10 de janeiro, o jornalista norte-americano Paulo Salopek partiu da Etiópia com destino à Patagônia. Numa viagem a pé, com duraçao prevista de sete anos. Na bagagem, um gravador, uma máquina fotográfica, uma câmera de vídeo, um computador e um telefone-satélite. De 100 em 100 milhas, envia uma peça com sons, imagens, palavras.
Atual, importante, interessante – Usando os instrumentos de comunicaçao mais aperfeiçoados pelo engenho humano (dos caracteres móveis de imprensa ao rádio e à televisao), o jornalismo, tal como o conhecemos até o início do século XXI, consistiu num olhar contínuo e plural sobre o que de novo ocorria em todos os domínios da vida e do saber. A transformaçao do mais importante, significativo e interessante em notícia (reportagem, entrevista) e em opiniao (editorial, crônica, coluna) estava a cargo exclusivo de um grupo profissional, que se impôs um conjunto de padroes técnicos e de princípios deontológicos – clareza, rigor, isençao, independência, veracidade, respeito pelo contraditório, lealdade aos cidadaos e ao interesse público.
The ‘part-time’ people – A revoluçao digital em curso marcou a emergência de novos atores na produçao e na distribuiçao de informaçao. Nao apenas das pessoas antigamente conhecidas por ‘audiências’, mas também de novas plataformas fora da organizaçao profissional e do modelo empresarial dos velhos media, que vêm mergulhando em crise profunda. Alguns profissionais nao aceitam para os cidadaos outro papel que nao seja o de fonte informativa.
Estao equivocados. Chame de “jornalismo cidadão”, jornalismo em part-time ou “jornalismo acidental”, uma crescente interaçao com a sociedade só enriquece o jornalismo enquanto serviço público. O mesmo quanto à incorporaçao, no processo de produçao noticiosa, das novas ferramentas e plataformas ao dispor de todos.
O jornalista multidimensional – Na altura em que escrevo estas notas, terminam, nos EUA, as inscriçoes para um seminário denominado ‘O jornalista multidimensional’. Promovido pelo prestigiado Poynter Institute. Objetivo – ensinar a fazer peças e editá-las em papel e em qualquer plataforma digital. Porque, diz o anúncio, hoje uma notícia de última hora começa muitas vezes num ou mais tuítes (de jornalistas ou de nao jornalistas) e passa a post num blog (idem, idem), muito antes de se tornar numa peça mais extensa num jornal, numa rádio ou numa televisao.
Hoje como ontem, o mesmo contrato – Na era do ciclo noticioso em tempo real, da pressao da velocidade e dos rumores que inundam as redes sociais, um homem armado de gravador, câmera, portátil e parabólica oferece-nos em tempo lento “uma crônica sem procedentes da vida humana na Terra” (slow journalism, já lhe chamam). Passados 25 séculos sobre a primeira corrida da Maratona, a iniciativa de Salopek, vencedor de dois Pulitzer, reencarna o mesmo antigo símbolo do ethos jornalístico – recolher e fazer chegar a novidade testemunhada a uma massa de destinatários interessados. Até ao limite das forças, se necessário, e jogando nisso toda a sua credibilidade. Para que cada cidadao saiba como se orientar e tomar decisoes informadas na paisagem natural e humana que é a sua vida + o seu tempo.
O português Adelino Gomes exerceu atividade regular de jornalista no rádio, televisao e jornais, entre 1966 e 2008. Atualmente leciona a disciplina de Estudos Críticos em Media e Jornalismo, no ISCTE, em Lisboa. O livro ‘Nos bastidores dos telejornais’ (Ediçoes Tinta da China) reproduz parcialmente a sua tese de doutoramento em Sociologia da Comunicaçao.
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