Entrevista | D. Pedro, S. Jorge e Washington Olivetto num encontro em Lisboa

No dia 14 de setembro, o cinema Sao Jorge foi o local escolhido para a 1ª ediçao do Lisbon International Advertising Festival, onde foram realizados palestras, debates e festa com distribuiçao de prêmios para os melhores trabalhos na área da criatividade e comunicaçao, avaliados por um júri internacional. Washington Olivetto, chairman da agência W/McCann e Chief Creative Officer do McCann Worldgroup para a América Latina e Caribe, foi convidado para Presidente do Júri e homenageado com o Prêmio Carreira – uma estatueta representando um corvo (esse, vermelho, super pop; veja na imagem abaixo), símbolo da cidade. Reunido com os outros jurados no hotel D. Pedro, no intervalo entre uma peça e outra, recebeu o Blue Bus para uma descontraída entrevista sobre o que mesmo? Descubra logo a seguir.

Qual o sentido que a palavra criatividade tem hoje para você?
Às vezes as pessoas consideram as palavras como novas, porque nao sabiam que já existiam. Quer um exemplo? Algumas palavras que sempre foram utilizadas na publicidade – como conteúdo e produçao de conteúdo. Desde que eu era criança, quando a Estrela fazia o programa ‘Pim Pam Pum’, já era produçao de conteúdo. Tudo pode ser considerado um gesto criativo, como se na vida fosse possível ser bem sucedido ou viver bem sem gestos criativos. Um bom time de futebol é baseado num gesto criativo, um bom anúncio é um gesto criativo, um bom casamento é um gesto criativo. Sao palavras e atitudes que se renovam, que se criam e se recriam cotidianamente.

A criatividade está perdendo a qualidade?
A gente vive um momento geral onde os critérios de julgamento, de triagem, estao mais baixos. Onde o gesto criativo nao está vivendo o seu auge, no Brasil e no mundo. Saindo um pouco da publicidade, nao é muito por acaso que o melhor roqueiro e a melhor banda do mundo seja liderada por um homem de 75 anos chamado Mick Jagger. Nao é muito por acaso que o grande compositor revolucionário brasileiro ainda seja o Caetano Veloso. Entao, você tem momentos onde as rupturas criativas nao estao acontecendo em alto valor e aí, um monte de gente acaba sendo beneficiada. Eu sou beneficiário disso, onde a percepçao do meu trabalho é vanguarda absoluta. É claro que vai ter um momento, ciclicamente isso acontece, que tudo pode mudar. Pode nao ser agora, pode demorar algum tempo para ocorrer uma nova revoluçao, que normalmente acontece muito próxima das áreas artísticas e das áreas alimentadas pelas manifestaçoes artísticas. Ou seja, publicidade nao é arte mas ela é alimentada pela arte. Os momentos de ruptura acontecem sequencialmente, quase ao mesmo tempo, como a bossa nova, os Beatles, a pílula, a mini saia, o tropicalismo…

E o Festival de Cannes? O foco mudou ou nao?
O foco ficou alargado. Na verdade, a atraçao virou conversar sobre o produto final, nao fazer o produto final. Em Cannes hoje, o grande foco sao as palestras, os debates, mas isso sao ciclos, é normal, sao ciclos…

Nessa sua trajetória profissional quais foram até agora os seus melhores momentos?
Eu tive a sorte, por um fenômeno geracional, de poder participar de muitos momentos de evoluçao. Ou seja: comecei no momento em que a publicidade brasileira se internacionalizava. Tive o privilégio de estar durante 14 anos no melhor período da DPZ. Depois, fui o 1° profissional brasileiro a ter um sócio multinacional – a WGGK. Mais tarde, revi o nome Brasil – que por causa dos militares, nao pegava bem. A W foi a mãe e a madrasta de todas as novas agências. Mãe e madrasta porque por um lado, foi muito legal. Por outro, a concorrência aumentou… Com a WMcCann eu tenho um privilégio incrível na minha vida de poder participar de todas as evoluçoes. O anúncio de página dupla no Estadao, que saiu sobre a campanha BRA de Bradesco e Seara Gourmet com o Robert De Niro, é um exemplo de que essa agência vale ouro.

Como você vê o futuro dos filmes, das grandes peças de publicidade como hoje existem? Vao continuar ou vao desaparecer?
Uma das poucas coisas, das poucas dúvidas que a gente nao tem nessa profissao, repleta de dúvidas – e é funçao nossa ter sempre dúvidas – é a de que em qualquer formato, se nao houver uma grande ideia, nao acontece nada. Tudo continuará igual. E a gente também nao tem dúvida que nenhuma mídia, feita com competência, irá morrer. As mídias vao se interligar entre si. Palavras dos meus amados, queridos amigos precursores do digital – o Julio Hungria que foi o 1º entre eles. Todos tiveram a consciência que apesar da velocidade fabulosa da internet, ainda nao existe veículo no mundo mais veloz do que o rádio. Na internet, a gente tem que escrever. No rádio, se tiver um talento, ele fala antes.

E o futuro próximo, como vai ser?
Nos próximos anos, tudo acontecerá em telas, diferentes telas. Agora, se nao tiver uma boa ideia dentro dessas telas, nao irá acontecer nada. Uma boa ideia que tenha a capacidade de ganhar a ‘cara’ de cada uma das telas. É claro que em alguns momentos você terá que ser mais específico para comunicar – e eu nao vou mais chamar publicitário de publicitário. Já há anos que eu chamo de comunicador.

Como chegar a essa boa ideia? Há alguma fórmula?
A 1ª coisa, sagradíssima, para quem quer comunicar, é nao ter preconceito com a informaçao. Você é um adequador de linguagens, portanto tem que conhecer as linguagens para poder adequá-las perfeitamente. Eu me orgulho muito que apesar de ser um ouvinte contumaz de Mile Davis, eu fui certamente o 1° publicitário no Brasil que mostrou a Anitta para a minha equipe. E é assim que tem que ser. Isso vale para a literatura, o teatro, a TV, vale também para o cinema. Se você se treinar para nao ter preconceito de informaçao, você vai ter uma percepçao melhor, vai conhecer mais linguagens e como consequência, será um melhor adequador de linguagens. O fundamental é o gesto de escrever! Se a gente quiser ter momentos verdadeiramente efetivos, a gente tem que escrever tudo melhor. Por exemplo: acho que o problema do Brasil nos últimos anos é que o Brasil andou sendo nao escrito… Na publicidade, nao é que os textos precisam ser melhor escritos. Nao, os planos precisam ser melhor escritos, o pensar precisa ser melhor escrito, os visuais – que teoricamente sao visuais – precisam ser melhor escritos. Para o Prof. Joao Renha, sobre uma explicaçao teórica do meu trabalho, contei uma história para ele que nao foi publicada mas gostaria de repetir aqui. Quando me perguntaram qual o meu método para descobrir um potencial, jovem e brilhante redator, respondi da seguinte maneira – “Eu escolho um rapaz bem feio, de uma família muito humilde, que tenha umas namoradas muito bonitas, filhas de famílias muito ricas. Porque certamente deve ser um cara ótimo com as palavras”. Eu trabalho com um negócio chamado seduçao. Eu quero esse cara na minha equipe!

Como Presidente do Júri, gostou do nível dos trabalhos apresentados neste 1º Festival Internacional de Lisboa?
Fiquei muito honrado em ser convidado para a presidência do júri e adorei a homenagem do Prêmio Carreira – porque ninguém ainda teve um na língua portuguesa. Quanto ao Festival, achei o nível dos trabalhos inscritos bastante alto. Mas tem uma coisa que me incomoda nos Festivais em geral, que Cannes estabeleceu nos últimos anos. A necessidade de contar os ‘cases’ e que eu acho insuportável, até pelo seguinte. Minha mãe, quando está sentada em casa, nao entra alguém para contar o ‘case’. Ela gosta do que vê, ou nao gosta. Me incomoda porque é uma prática artificial da realidade da profissao. Curiosamente, quando Cannes vivia o seu auge criativo, era proibido na sinopse você explicar a intençao. Por que se nao entenderam, é porque nao é bom. Publicidade é feita para ser entendida! É a chamada ‘síndrome dos cases’ que tem em todo o mundo, em todo o lugar. Para os jurados me apresentei da seguinte maneira – “Minha funçao como presidente do júri é nao atrapalhar o júri. Se precisarem de mim para dar um palpite, eu dou”. No final, tive uma ótima impressao.

Existe uma publicidade europeia, americana, asiática ou lusófona, vamos dizer assim?
Acho que na publicidade existe boa ou ruim. E a média é ruim. A boa tem parecências que depois se adaptam aos fenômenos culturais. Eu amo os meus amigos franceses mas sua publicidade tem sempre um tom ‘erotic ou neurotic’.

A publicidade terá que se adaptar às novas mídias e ao seu público? Quem serao os ‘donos’ dessas novas mídias?
Os mecanismos de seduçao serao os mesmos, em veículos diferentes. O que é uma rede social? Rede social quando eu era menino já existia! As amigas da minha vó, numa vila em Sao Paulo, falando que viram a filha da vizinha agarrando o namorado atrás do poste na noite anterior, era uma rede social. Elas só nao tinham a tecnologia… O que é o Instagram? Sabe aqueles chatos que quando viajavam projetavam slides e serviam fondue? No Instagram estao os chatos dos slides, sem o fondue! Esses comportamentos sempre existiram e existirao. Sao necessidades dos seres humanos que vao se multiplicando de diferentes maneiras. Agora, quanto à publicidade, eu nao tenho dúvida nenhuma que, particularmente ela, irá misturar nos próximos anos o conhecimento criativo com o conhecimento tecnológico. Durante muito tempo, havia o gesto de criar e o de produzir. Hoje, esses 2 gestos estao muito interligados. A possibilidade de uma mesma pessoa criar e produzir é muito grande. Vao surgir novas mídias, sempre surgirá. Outra dúvida que eu nao tenho e que adoraria ter sido o autor da frase, que nao é minha – “É praticamente indubitável que os grandes donos das novas mídias serao os grandes donos das velhas mídias”.

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