Incidente do metrô tem duas versoes – do Estado e da Folha – Luciano Martins Costa

Por Luciano Martins Costa no Observatorio, foto folhapress

O metrô de Sao Paulo é tema do noticiário novamente, nesta 4a feira, por conta de uma pane que quase desandou em tragédia. E as reportagens dos 2 principais jornais paulistas se desencontram ao informar as causas do problema, que afetou a linha 3-Vermelha, que cruza a cidade no sentido Leste-Oeste, e a linha 4-Amarela, que liga o Butantã, na zona Oeste, à regiao da Luz, no centro velho.

A Folha de S Paulo relata que a causa de tudo foi uma pane no sistema de fechamento das portas, que teria ocorrido num trem parado na estaçao Sé, marco zero da cidade, às 18:19 da 3a feira. Na sequência descrita pelo jornal, nos 10 minutos seguintes pelo menos 7 composiçoes do trajeto foram obrigadas a parar, e alguns passageiros, agoniados pelo calor, apertaram os botoes de emergência para deixar os vagoes. Por volta das 20:00, um novo defeito fez com que o tráfego fosse novamente suspenso, com a situaçao se normalizando somente perto da meia-noite.

A história contada pela Folha dá quase todo crédito à versao da Companhia do Metrô, segundo a qual houve precipitaçao dos passageiros, vandalismo e agressoes a funcionários. O texto do jornal reforça a posiçao da empresa, em trechos que dizem, por exemplo, que “vagoes foram depredados e seguranças, agredidos”, ou no relato segundo o qual “a Folha presenciou passageiros quebrando vidros de ao menos uma composiçao na Sé”.

No entanto, a fotografia na primeira página mostra a multidao tentando escapar pelo túnel e um grupo de seguranças barrando a passagem, um deles ameaçando os passageiros com um cassetete.

No Estado de S Paulo, a descriçao dos acontecimentos é mais detalhada desde o título, no qual se diz que “pane somada a atrasos, lotaçao e calor causa tumulto e fecha linha-3 do metrô”. No texto, o jornal explica que, diante da paralisaçao do sistema, passageiros abriram as portas e saíram para os trilhos, porque muitas pessoas estavam passando mal com o calor.

A diferença com o outro diário começa na descriçao do tumulto que se seguiu: “Na confusao, seguranças do Metrô agrediram passageiros na Estaçao da Sé. Houve tumulto e depredaçao na plataforma”.

As sequências das duas versoes apontam para interpretaçoes totalmente opostas dos acontecimentos, e o leitor atento nao precisa muito esforço para se dar conta de que a Folha de S. Paulo agasalhou uma história que poderia muito bem ser escrita pela assessoria do Metrô. Nesse roteiro, a empresa sofreu um problema que, afinal, pode acontecer em qualquer lugar, e o resto teria sido consequência da má educaçao dos passageiros.

Já o Estado abre a possibilidade de outra interpretaçao, informando, por exemplo, que os passageiros ficaram retidos por mais de 20 minutos nos trens parados, sem informaçao e sem ajuda da empresa. Conta também que o Metrô nao acionou o Plano de Apoio entre Empresas em Situaçoes de Emergência, que providenciaria ônibus e outros meios para desafogar o movimento de passageiros. Além disso, a descriçao das agressoes indiscriminadas a quem deixava os trens combina melhor com o que se conhece dos seguranças do Metrô, muitas vezes denunciados por abusos e excesso de violência.

Nos dois relatos, é preciso destacar o fato de que, nos momentos de maior risco, foi a atitude solidária dos passageiros que evitou uma tragédia: pessoas idosas, mulheres grávidas e cadeirantes foram protegidos nos vagoes ou conduzidos para lugares seguros pelos próprios usuários, enquanto a segurança tentava apenas mantê-los parados, sob o calor infernal que assolava a cidade.

Além das divergências sobre os fatos específicos, com uma reportagem de muito mais qualidade por parte do Estado de S Paulo, pode-se dizer que os dois jornais erraram juntos em uma questao fundamental: nao vincularam a pane a problemas de manutençao do Metrô, cujos técnicos estao sendo obrigados a fazer “gambiarras”, porque os contratos foram suspensos em funçao do escândalo das licitaçoes fraudulentas.

Bem longe dos tumultos, onde a imprensa publica notícias sobre corrupçao, os 2 diários paulistas e mais o carioca O Globo informam que o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, dividiu em 2 o inquérito sofre as fraudes, mandando 1 deputado e 3 secretários do governo paulista para o foro privilegiado. Mas nenhum deles relaciona um fato ao outro. Nesse assunto, sao os jornais que entram em pane.

publicidade

publicidade