Já nao se faz mais jornalismo | pior que mentir, a imprensa conta meias-verdades

Texto do Luciano Martins Costa ontem no Observatorio

Por mais arriscado que seja fazer diagnósticos em situaçoes de alta complexidade, pode-se afirmar que o motor da sucessao de tumultos que assola o Brasil desde o ano passado é a desinformaçao. Já se afirmou aqui que pior do que a mentira é a meia-verdade, e pode-se comprovar essa assertiva com a observaçao do processo pelo qual a imprensa brasileira tem contribuído para a construçao do mau humor coletivo que vai se espalhando de forma avassaladora pela sociedade.

O processo é clássico e seu exemplo maior continua sendo a estratégia de comunicaçao que Joseph Goebbels desenvolveu na Alemanha nos anos 1930 e que em uma década fez com que a insanidade de um pequeno grupo de ativistas contaminasse o país onde a modernidade havia plantado suas raízes no século anterior.

No entanto, é preciso fazer uma retificaçao importante no paradigma central da propaganda nazista: a frase segundo a qual “uma mentira contada mil vezes torna-se verdade” ganha certa contemporaneidade se dissermos que “uma meia-verdade repetida duas vezes torna-se verdade”.

Se o leitor ou leitora afeto à visao crítica dos acontecimentos fizer uma visita ao noticiário dos últimos doze meses, vai observar que o estado de espírito negativo que contamina o Brasil nao decorre de um efeito colateral do noticiário: é o propósito central da atividade da imprensa hegemônica.

Certamente, há espaço suficiente nessa afirmaçao para a suspeita de que o observador pode estar sob influência de teorias conspiratórias, mas a leitura dos jornais nesse período indica claramente o desenvolvimento de uma campanha com objetivo de destruir a autoestima dos brasileiros.

Este observador foi conferir essa hipótese com uma fonte qualificada de um dos maiores jornais brasileiros, assentada em posiçao de mando na área comercial, e ouviu uma queixa surpreendente: disse o informante que a agenda negativa está prejudicando o próprio jornal, ao produzir um estado de pessimismo que desestimula os anunciantes.

O jornalismo praticado nas redaçoes é nocivo ao negócio jornal. Nao seria a primeira vez que a imprensa, como sistema corporativo, estaria agindo contra seus próprios interesses de longo prazo.

Se a direção dos jornais considera apropriado cultivar uma crise social, com grandes riscos de detonar no rastro dela uma crise econômica, é porque entende que, se a tática for bem sucedida, haverá um ganho para o negócio no futuro próximo, com uma mudança radical no modelo econômico. Fora dessa possibilidade, resta a alternativa de pensar que a imprensa enlouqueceu.

Ora, atuar de forma nociva contra o modelo que ampliou o mercado interno e deu alento ao mercado publicitário só pode ser entendido como uma forma de suicídio, como apontou o executivo citado acima.

A disputa eleitoral em curso é considerada pela imprensa hegemônica do Brasil como “a mae de todas as batalhas”, porque dela pode brotar o presidente ideal para os padroes das grandes empresas de comunicaçao. Mesmo que isso signifique reverter o avanço das conquistas sociais que se iniciaram com a estabilizaçao da moeda, em 1994, e se consolidaram com as políticas oficias de distribuiçao de renda, os jornais insistem nesse processo.

Ainda no perigoso atalho que corta as complexidades envolvidas nessa questao, pode-se afirmar que a imprensa, como sistema corporativo, já nao faz jornalismo. Faz uma política menor, característica dos lobbies, exatamente igual à prática do “é dando que se recebe”, celebrizada pelo falecido deputado Roberto Cardoso Alves e formalmente condenada pela própria imprensa.

Portanto, toda análise que se fizer daqui para a frente precisa deixar claro que, ao se observar a imprensa, nao se está necessariamente analisando o jornalismo. Quando o sistema da comunicaçao abandona o pressuposto da objetividade para atuar como lobby, mesmo às custas de suas necessidades e interesses de longo prazo, pode-se dizer que houve uma ruptura entre jornalismo e imprensa.

O núcleo tático desse procedimento é a imposiçao de meias-verdades, que produzem a desinformaçao geral; a desinformaçao estimula protestos, crises, decisoes equivocadas de investidores, e − o mais grave − descrença no sistema democrático, como aconteceu na Alemanha nazista.

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