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Jayme Serva – Sobre a Lei Aurea e as cotas raciais nas universidades
Ontem, a Lei Áurea fez 125 anos. Promulgada, a multidao de escravos libertados, de 1 dia para a outro, se viu dona de seu próprio destino – e sem nenhum meio de cuidar dele, a nao ser o servilismo e a indigência. A mao de obra braçal passou a ser exercida pelo assalariado imigrante, que se unia à populaçao negra liberta antes de 1888 e chegava já integrado à lógica mercantil.
Desde entao, jamais houve política de Estado para reparar ou mitigar o dano causado a uma populaçao que, no seu apogeu populacional, chegou a ser a maioria, mesmo vivendo em condiçoes desumanas e com uma proporçao média de 8 homens para cada mulher – 2 inibidores do aumento populacional.
A partir de 2001, o sistema de cotas nas universidades passou a facilitar o ingresso de negros e pardos. De certa forma, reproduz a experiência de açao afirmativa, levada a cabo nos EUA nos anos 60. Outro dia, ouvi alguém dizer que o grande irmao do norte havia desistido do sistema de cotas, “porque ele nao funcionava”. Nao – o sistema deixou de existir nos EUA quando deixou de ser necessário. Por que? Porque hoje, cerca de 13% dos estudantes universitários de lá sao negros – e cerca de 13% da populaçao norte-americana é negra. Bingo: o que houve foi a catalisaçao de 1 processo que, sem as cotas, demoraria mais 100 ou 200 anos para se concluir. Surtiu efeito em pouco mais de 30.
Hoje, quando se torce o nariz para o rendimento dos alunos cotistas – menos de 10% abaixo dos alunos regulares, isso mesmo tomado por critérios discutíveis – se esquece que o que se está fazendo, pela via das cotas, é acelerar um equilíbrio fundamental e saldar uma dívida ética secular. O que devemos ter hoje é a esperança de que, nos 150 anos da Lei Áurea, em 2038, as cotas sejam revogadas – exatamente por nao serem mais necessárias.
Solange Ciavatta
Ótima reflexão, Jayme! De forma simples e objetiva você colocou o que muitos tentam a todo momento e não conseguem, mesmo usando toda sorte de referências e textos longos que acabam sendo mais racistas ainda. Parabéns!
Jayme
Há anos que eu olho pra essa questão, Solange, e cada vez mais me convenço de que as ações afirmativas — desde que resistam a impulsos demagógicos e que tenham hora para acabar — são um catalisador importante. E com um efeito colateral bastante benéfico: a convivência dissolve o preconceito.
Laércio
Concordo com seu texto. O problema no nosso país, e que as pessoas não querem enxergar, não é TER um sistema de cotas, é PRECISAR de um sistema de cotas.