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JN em Santa Maria, como usar o drama para fazer marketing (do Observatorio)
Por Pedro Aguiar na ediçao 731 do Observatorio da Imprensa
No filme Nos Bastidores da Notícia (Broadcast News), de 1987, o personagem Tom Grunick, vivido por William Hurt, é um âncora de telejornal narcisista e inescrupuloso que manipula o aspecto patético do noticiário para ganhar audiência e, principalmente, prestígio profissional. Na sequência-chave da trama, ele edita um VT inserindo imagens de si mesmo chorando ao escutar o relato de uma entrevistada, vítima de estupro. Mas os métodos antiéticos e o jornalismo emocional e grotesco, na mesma medida em que o tornam queridinho dos chefes e executivos da emissora, rendem a ele a crítica e o desprezo entre os colegas.
O filme foi escrito e dirigido por James L. Brooks. No ano seguinte, Brooks seria criador, junto ao desenhista Matt Groening, do desenho animado Os Simpsons, uma das primeiras e mais contundentes sátiras à estereotípica família de classe média norte-americana, saída da Era Reagan com os valores exacerbadamente egocêntricos, materialistas e fúteis, preocupados tao somente com o lazer e o dia de amanha, e com um desdém assumido por todo aprofundamento, toda crítica, toda ponderaçao.
O pai da família-escárnio concebida por Brooks e Groening, Homer Simpson, é uma figura simplória, trabalhador honesto porém disposto a pequenas mentiras e jeitinhos para satisfazer vontades ou resolver problemas. Desligado de questoes que vao além de seu próprio jardim, tudo que Homer almeja em cada episódio é manter-se confortável em sua rotina, sem questionar o mundo, e refestelar-se no sofá após cada dia de trabalho para assistir a televisao.
Foi esse arquétipo que o editor-chefe e apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, elegeu para descrever o espectador médio de seu telejornal, o de maior audiência no Brasil há décadas. Nao apenas na frente de professores como Laurindo Leal Filho, da USP, que chamou atençao para o aspecto desdenhoso da comparaçao – mas também para estudantes de jornalismo levados a visitar a redaçao do JN – como eu, em novembro de 2005, entao aluno da UFRJ – ver aqui a resposta de William Bonner.
Hoje, passados alguns anos de formaçao e reproduçao, o estilo Bonner/Homer (ou talvez Bonner/Grunick) parece ter feito escola e já está normalizado, em certos círculos tratados como se fosse “a” maneira de se fazer jornalismo.
Nao fosse assim, nao haveria espaço moral nem tolerância para a ediçao do Jornal Nacional de 2a feira, 28, gastar preciosos minutos com autopromoçao em lugar de entrar direto com informaçoes sobre a tragédia da boate Kiss em Santa Maria. Deixando o lide para 2o plano, o âncora William Bonner preferiu descrever e apresentar ele próprio, a própria equipe, seu deslocamento, suas habilidades e suas reaçoes subjetivas ao deparar-se com o fato – e nao o fato em si.
Um take de Bonner dentro do jatinho particular apelidado de ‘JN no Ar’, para fins de marketing, tem carga informativa nula sobre os 232 mortos no incêndio da boate Kiss, bem como a situaçao de seus familiares ou a investigaçao sobre as causas e os responsáveis. Saber que a equipe decolou do Rio de Janeiro ou foi deslocada de Sao Paulo, Porto Alegre ou Buenos Aires para fazer a “suíte” da tragédia acrescenta absolutamente nada para quem está ansioso por notícia, nomes, números, histórias sobre o que ocorreu.
Este é apenas o trabalho dos jornalistas; nao há nada ali para jactar-se. Nao sao “bastidores da notícia” – neste caso, reveladores de nada. Desperdiçar tempo de sinal ao vivo para promover seu próprio dever de ofício em vez de exercê-lo (ou seja, informar) é pegar carona na tragédia alheia para fazer marketing institucional. Além de narcisismo típico de amadores, demonstra insensibilidade e desrespeito para com a memória das vítimas, suas famílias e a populaçao brasileira.
Ana Maria Fonseca
Só o fato de terem feito o JN na frente da boate já foi algo completamente apelativo e desnecessário. Auto promoção as custos do sofrimento dos outros é algo desprezível.