Martelinhos, mochilonas e a ética na propaganda, texto do Jayme Serva

O dito popular afirma – “A ocasiao faz o ladrao”. Pessimista, esquece que a ocasiao também faz o herói, o ídolo, o amante. E, é evidente, a ocasiao faz a propaganda. Lá pelos anos 80 do século 20, começaram a aparecer os chamados “martelinhos de ouro”, antigos funcionários de montadoras que eram capazes de, com um martelo de borracha e mais 2 ou 3 utensílios misteriosos, desfazer pequenos amassados em carros, sem deixar vestígios.

Um dos primeiros ‘martelinhos’ foi ao programa de Jô Soares, ainda no SBT, e contou que ficava de ouvido no rádio e de olho na metorologia. Quando havia notícia ou previsao de chuva de granizo em cidade do interior, ele saía com sua caminhonete, ia até a referida cidade, parava na praça e estendia uma faixa: “O que a chuva de pedra estragou, eu conserto”. Fez uma pequena fortuna.

No domingo, nota na Folha do correspondente em Nova Iorque, Raul Juste Lores, deu conta de que uma empresa do Texas criou o ‘Backpackshield’ (literalmente, escudo-mochila), uma mochila escolar à prova de bala, forrada com kevlar, o mesmo material que protege os coletes leves – saiu no Blue Bus dia 19/12. A propaganda do produto o destina a “pais protetores e preocupados”, o que também traz um sentido oculto de chantagem, como se continuasse, sem dizer: “você é protetor e preocupado, nao é?”

Há um evidente senso de oportunidade, tanto no caso do ‘martelinho’ quanto no do escudo-mochila. O que há de diferente entre eles é a enorme falta de recato (nao me vem outra palavra, ao menos publicável) da empresa texana, ao fazer mercadoria de uma tragédia humana, causada por erros humanos e fadada a se repetir, pela recorrência dos mesmos erros humanos.

O que volta aí é a discussao sobre o caráter ético de tal tipo de propaganda – afinal, ao contrário da propaganda de cigarros, a do escudo-mochila salvaria vidas. Fica claro que criticar a propaganda ou mesmo o slogan-chantagem, neste caso, é culpar o armário pela presença do amante. O anúncio e o slogan sao só a etapa final de um ciclo que é doente na concepçao. Vida longa ao ‘martelinho’.

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