Midia | Uma flechada na inocência | Luciano Martins Costa

Luciano Martins Costa – reproduzimos texto publicado hoje no Observatorio da Imprensa

O noticiário desta 4a, 28, destaca o protesto de indígenas e famílias sem teto, em Brasília, e o confronto que se seguiu quando um grupo de manifestantes se aproximou perigosamente do estádio Mané Garrincha, onde se encontrava em exposiçao o troféu que estará em disputa durante a Copa do Mundo de Futebol. Como parte das curiosidades deste país complexo, os jornais informam que um policial foi atingido na perna por uma flecha, o que chega a compor uma imagem curiosa no cenário futurista da capital federal.

Pode-se colher uma enorme variedade de análises na imprensa, nas últimas semanas, sobre a onda de protestos que começou em junho do ano passado como parte de uma campanha pela melhoria do transporte público nas grandes cidades. Depois vieram as manifestaçoes de grupos específicos, que foram surgindo e desaparecendo, até que se consolidou a onda do movimento contra a Copa do Mundo, que flutua a bordo de todas as outras reivindicaçoes e queixas que juntam pelo menos 50 ativistas e paralisam as cidades.

A observaçao das palavras de ordem e das justificativas de manifestantes e supostos líderes dos que pensam impedir a realizaçao do evento mostra que o movimento se baseia em um punhado de convicçoes questionáveis, como a afirmaçao de que a Copa atrasa o atendimento de demandas importantes da sociedade.

A primeira delas fala de investimentos públicos que poderiam ter melhor destino se fossem aplicados em educaçao e saúde, e no geral ignora-se que a Copa resulta de um contrato de entidades brasileiras públicas e privadas com a Fifa, uma corporaçao privada, muito parecido com os acertos que sao feitos, por exemplo, para trazer ao país um festival de rock.

Os jornais demoraram, mas finalmente, há uma semana, a Folha de S Paulo publicou uma reportagem esclarecendo que todo o investimento público feito pelo governo federal, por estados e municípios, relativos ao evento, soma R$ 25,8 bilhoes, o equivalente a 9,9% das despesas anuais com educaçao. No entanto, ao mesmo tempo em que relativiza esse argumento dos ativistas contra a Copa, o jornal contribui para aumentar a confusao ao misturar a esses custos outros investimentos em infraestrutura, como a construção da usina de Belo Monte.

Pode-se afirmar que os argumentos apresentados pelos manifestantes que tentam impedir ou atrapalhar a realizaçao da Copa do Mundo no Brasil sao pífios, falsos ou resultado da manipulaçao de dados. Mas nao se pode apostar que haja alguma inocência nesses protestos, que agora invadem outras reivindicaçoes, como a dos índios sem terra e dos trabalhadores urbanos sem teto.

Há, por trás do movimento contra a Copa, uma disciplina e uma organizaçao que nao combinam com a infantilidade de suas palavras de ordem. A mesma Folha trazia no domingo, 25, na Ilustrada, o relato de uma palestra realizada em Sao Paulo na qual o artista americano Sean Dagohoy, integrante de um coletivo chamado Yes Men, ensinava a uma centena de ativistas algumas táticas a serem usadas nas manifestaçoes contra a Copa do Mundo. O objetivo, segundo a reportagem, é aproveitar ao máximo o “circo midiático em torno do megaevento no país”.

Na tal “oficina de ativismo” foram discutidas ideias como alagar a Arena Corinthians no dia da abertura da Copa, interferir nos teloes do estádio e outras açoes de boicote e sabotagem. O histórico do coletivo Yes Men, dedicado a ativismo cultural, inclui intervençoes em sites de empresas, divulgaçao de informaçoes falsas pela internet e outras iniciativas geralmente dirigidas contra grandes corporaçoes ou governos.

O seminário em Sao Paulo foi organizado pelo coletivo intitulado Escola de Ativismo, que, segundo a Folha, é financiada, entre outras entidades, pela ONG ambientalista Greenpeace.

Uma leitura dos comentários, chamadas e temas priorizados pelo grupo nas redes sociais induz a acreditar que se trata de ativistas dedicados a estimular o protagonismo de jovens ansiosos por mudanças. Seus alvos tanto podem ser uma multinacional que causou um desastre ambiental como um governo democrático e o próprio sistema político. A tática é quase sempre produzir eventos que chamem a atençao da mídia. A motivaçao real está sempre dissimulada em palavras de ordem genéricas.

Uma das líderes do grupo afirma que eles querem “contribuir para que pessoas sejam agentes de mudança”. Nao explicou que mudanças tem em mente.

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