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A midia br tinha criticos, agora tem ombudsman – texto da Suzana Singer na Folha de hj
Sob o titulo ‘Enrolados’ a ombudsman da Folha escreveu hoje.
Gato escaldado tem medo de água fria. Depois de errar feio no início da cobertura dos protestos de junho, a imprensa está bem mais cautelosa com os “rolezinhos” nos shoppings da periferia.
Na Folha, a palavra “arrastao” sumiu rapidamente do noticiário, substituída por “encontro de jovens”. Em editorial publicado no 2o dia do ano, o jornal afirma que o fenômeno, que foge a “classificaçoes estabelecidas”, traça um “retrato nítido do Brasil de nossos dias”. Anteontem, criticou a polícia e o Judiciário por tentarem impedir os “rolezinhos”, que começaram com “caráter festivo e despretensioso”.
É um tom completamente diferente do adotado no editorial “Retomar a Paulista”, de junho de 2013, quando os ativistas foram definidos como “jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorrevolucionária”.
Pode-se argumentar que sao notícias diferentes – no ano passado, havia vandalismo; agora, sustos e ameaças, mas eram ambos fenômenos desconhecidos e, desta vez, felizmente, nao houve pressa em colocar uma tarja no movimento.
Tal precauçao nao se justifica, porém, na reportagem. O jornal foi muito lento. O primeiro encontro aconteceu em 7 de dezembro, mas só 39 dias depois foram publicados depoimentos de jovens da periferia. Antes disso, nao havia nem aspas ligeiras de participantes do “rolezinho” – a única tentativa de interpretar o que estava acontecendo foi uma boa reportagem que relacionava essa galera ao “funk ostentaçao”, mas sem ouvir os seus integrantes.
Isso significa que o primeiro editorial e a opiniao de vários colunistas, nao só da Folha, foram escritos com base em suposiçoes, em interpretaçoes assentadas basicamente na descriçao de como esses jovens se vestem.
Sem ouvir os protagonistas, foi dito que eles eram “baderneiros”, incapazes para o convívio social e, no outro extremo, que protestavam contra o “apartheid” que impera em Sao Paulo. Alguns deduziram que se tratava apenas de uma brincadeira juvenil, outros enxergaram uma reivindicaçao de negros e pobres por espaço e visibilidade.
Na Folha, o silêncio foi rompido na 4a feira passada, com as entrevistas de alguns dos organizadores dos eventos, que explicaram a origem dos “rolezinhos”: encontro de fãs, marcados pelas redes sociais, com a intençao de “zoar”.
A reportagem foi importante porque esclareceu que nao havia intençao contestatória nas primeiras reunioes, mas faltou mostrar o que pensam esses garotos. Nao deu para entender nem mesmo por que alguns viram ídolos das meninas, já que nao parecem ter nenhum talento especial, além da arte do xaveco.
O outro lado da moeda também foi mal apresentado. Os frequentadores desses shoppings, que aparecem nas reportagens criticando os “rolezinhos”, nao sao os clientes do Iguatemi, do JK ou do Higienópolis, centros de compras sempre citados nas páginas do jornal.
Os “rolezinhos” aconteceram, até agora, no Campo Limpo, em Itaquera, em Guarulhos e no Tucuruvi, longe da área nobre. Quem se assustou e defendeu a proibiçao dos encontros nao parece ser muito diferente dos que foram lá em bando. “Gosto de ‘rolezinhos’, mas nao da parte em que ninguém respeita ninguém. Tem que ser sem roubo nem intriga”, disse uma garota de 15 anos ao G1.
Outro chavao que ganhou força nas análises é culpar a falta de opçao de lazer na periferia, mas ninguém perguntou isso aos jovens. Se houvesse museus, teatros, parques, eles abririam mao dos “rolezinhos” nos shoppings? Nos bairros ricos, há tudo isso por perto e, mesmo assim, a garotada nao sai das praças de alimentaçao.
Com reportagem, é possível desmontar estereótipos, esvaziar teorias frágeis e ajudar o leitor a se posicionar em meio ao tiroteio ideológico. Só que precisa gastar sola de sapato e chegar às franjas da cidade, mesmo quando nao há chacina ou desabamento.
Em um texto muito lúcido, o ex-repórter da Folha Leandro Beguoci, criado em Caieiras, resumiu a questao: “Na área delimitada pelos rios Tietê e Pinheiros, a periferia ainda é um sujeito desconhecido. É uma espécie de Cazaquistao que fala português” – leia aqui. Já passou da hora de a Folha investir para ampliar as fronteiras da sua cidade-sede.
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