Saudades da MTV – 1 negócio do tamanho da televisao exige + do que programas de qualidade

Texto do Mauricio Stycer publicado na Folha em 1º de setembro e republicado pelo Observatorio no dia 3

As notícias sobre o fim da MTV Brasil sao difíceis de entender. Como já ocorreu no passado com outras empresas do ramo, parece nao haver relaçao de causa e efeito entre os problemas da emissora ao longo dos seus 23 anos de atividades e o conteúdo produzido no período.

Lendo diferentes depoimentos sobre a história da emissora, tenho a impressao de que uma questao importante está sendo deixada de lado. A saber – a MTV nao está acabando porque sua programaçao é de baixa qualidade. Nos últimos meses, a emissora exibiu alguns dos programas mais originais, ousados e provocativos que vi este ano na TV aberta.

No final de maio, foi ao ar ‘A Menina sem Qualidades’. Dirigida pelo dramaturgo Felipe Hirsch, a série de 12 episódios se distanciou do cânone imposto pela TV americana (e copiado aqui) e apostou numa narrativa sem sobressaltos, lenta até, com poucos diálogos e momentos de contemplaçao. Em meados de julho, já nao havendo mais mistério sobre o fim das suas atividades, a MTV estreou ‘O Último Programa do Mundo’, “um talk show histérico esquizofrênico que muda de rumo o tempo todo, tudo com direito a acesso aos arquivos mais vergonhosos de uma MTV em chamas”

Ainda que tenha se anunciado como “sem propósito, sem chefe, sem direçao, sem ibope”, a criaçao de Daniel Furlan e Juliano Enrico me pareceu uma espécie de terapia coletiva destinada a entender o que deu errado na emissora. No episódio de estreia, Furlan levantou uma hipótese – “Aqui nao tem anao. Aqui nao tem cenário. Aqui nao tem esquetes, nao tem externas, nao tem apresentadora infantil com roupa de piranha, nao tem convidado que mora em outro Estado. Eu sou muito sincero”.

Em agosto, finalmente, como se nao estivesse a 1 mês do seu fim, a MTV Brasil estreou mais 2 programas interessantes – o jornalístico ‘Mundial na Estrada’ e o seriado ‘Overdose’.

Mais uma vez, funcionou muito bem o artifício de escalar a “pessoa errada” para uma tarefa – no caso, o humorista Paulinho Serra foi o condutor de um documentário em capítulos sobre a Copa das Confederaçoes. Totalmente à vontade, e distante dos cacoetes do jornalismo, Serra foi um “repórter” participativo, que procurou entender os protestos que marcaram o evento esportivo no Brasil.

Dizem que a primeira impressao é a que fica, mas prefiro me lembrar da MTV pela última – o seriado de Arnaldo Branco, exibido até a última semana de agosto. Em formato de documentário, ele apresentou a história de uma banda de garagem da pior qualidade, naturalmente incapaz de enxergar a própria falta de talento. Com humor refinado, o programa riu dos músicos e de todos que os cercam – riu, basicamente, do próprio público-alvo da emissora.

Ousados, iconoclastas e sempre divertidos, como tantos outros programas que a MTV Brasil exibiu ao longo de sua história, estes últimos 4 ficam como testemunho de que nao basta conteúdo de qualidade para manter uma emissora no ar. Um negócio do tamanho da televisao exige, também, investidores, empreendedores e gerentes com mais visao.

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