‘O Brasil é maior do que a sua imprensa’ | Carlos Castilho no Observatorio

Texto do professor Carlos Castilho no Observatorio da Imprensa

Parece frase de efeito ou afirmaçao de político em véspera de eleiçao, mas é verdade. A gente se dá conta disso ao ler o noticiário sobre a situaçao econômica do país, quando ora vemos dados e prognósticos otimistas e logo em seguida somos bombardeados com fatos e previsoes totalmente pessimistas. O leitor fica confuso porque foi educado a achar que a imprensa é a expressao da verdade e da realidade.

Mas o que lemos, ouvimos e vemos é apenas a expressao de uma parte do país em que vivemos, e mesmo assim uma parte pequena porque temos uma populaçao de quase 200 milhoes de observadores da realidade enquanto a soma de todas as redaçoes jornalísticas dificilmente chega a 50 mil profissionais (Nao tenho certeza deste número. Todas as fontes que consultei tinham apenas estimativas gerais).

A imprensa é o segmento mais qualificado para levar percepçoes da realidade até o público, mas ela é estruturalmente limitada nesta funçao, pois nao maneja todos os dados e é obrigada a publicar versoes e opinioes de outras fontes, que geralmente têm seus próprios interesses.

Por isso soa como um absurdo a pretensao de jornais, revistas e telejornais de apresentar o que publicam como se fosse expressao fiel da realidade global do país. Evidentemente a imprensa admite este absurdo, tanto que nao afirma textualmente ser um espelho da vida que nos cerca. Mas de fato ela pratica esse tipo de distorçao ao omitir dados, fatos e eventos que nao se enquadram na sua política editorial e empresarial.

O mundo está se dando conta de sua incapacidade de perceber a realidade como um todo porque ela depende da soma e da recombinaçao das percepçoes de um número cada vez maior de seres humanos. Depois da avalancha informativa e da internet, estamos descobrindo a complexidade do mundo em que vivemos e as dificuldades para entendê-lo. Por isso, os cientistas e intelectuais que já se deram conta desse fenômeno assumem que sabem apenas uma parte da verdade e que outros conhecem o que eles ignoram.

Isso cria uma situaçao inédita entre nós, que é a de reconhecer nossa limitaçao cognitiva e de que precisamos do conhecimento de outras pessoas para identificar problemas e buscar soluçoes. O que nos leva inevitavelmente a um mundo com menos desequilíbrios informativos e a uma relativizaçao generalizada do papel da imprensa como fonte de notícias para o nosso quotidiano.

Esse tipo de reflexao se torna necessário no momento em que interesses eleitorais empurram a imprensa e muitos jornalistas para situaçoes do tipo “bom ou mau”, “contra ou a favor”, “justo ou injusto”. A realidade é bem mais complexa e tem mais do que apenas 2 lados. Reduzir o mundo a apenas isso equivale a transmitir uma visao falsa e distorcida do ambiente que nos cerca e, portanto, criar condiçoes para que o eleitor corra o risco de fazer opçoes equivocadas.

A economia brasileira foi eleita pela imprensa como o principal parâmetro eleitoral para o pleito de outubro. A economia é, por natureza, uma área muito complexa do conhecimento humano e, portanto, sujeita a percepçoes equivocadas, omissoes comprometedoras e afirmaçoes generalizantes e enganadoras. Os economistas sérios sabem disso e procuram se precaver, mesmo lidando com números que, supostamente, são um símbolo da exatidao.

Mas quando a economia cai na arena eleitoral, as distorçoes e absurdos ganham dimensoes desproporcionais e geram consequências imprevisíveis. A imprensa tem uma enorme responsabilidade nesse processo e a obrigaçao de saber as limitaçoes de sua funçao e dos temas com os quais está lidando.

É difícil aos jornalistas identificar as complexidades das informações que transmitem, principalmente quando os profissionais fazem parte de verdadeiras linhas de montagem industrial de notícias em grandes jornais ou telejornais. Também nao se pode fazer um julgamento dicotômico de quem trabalha num veículo de comunicaçao, mas isso nao serve como desculpa para ignorar que a realidade do país é muito mais ampla e complexa do que a transmitida por sua imprensa.

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