Obrigado a compartilhar reportagem do JN porque foi exceçao – como vai o jornalismo da TV

“Sou obrigado a compartilhar uma reportagem do Jornal Nacional, por mostrar o que de fato aconteceu” – O comentário é de um jovem midiativista em sua página no Facebook. A reportagem em questao é a do falso flagrante em que um policial tenta plantar provas contra um adolescente, na noite de 2a feira, dia 30, após protesto dos professores municipais em greve, no Rio – Sylvia Debossan Moretzsohn professora da UFF, escreveu esse artigo no Observatorio da Imprensa, transcrevo aqui.

Diz que “a cena foi captada pela reportagem de O Globo e ajudou a identificar outro policial, um major, que também participou da tentativa de fraude e horas antes havia protagonizado um dos episódios mais emblemáticos de violência, ao acionar um gigantesco cilindro de spray de pimenta sobre um grupo de manifestantes encolhidos e indefesos”. Comenta que “essa imagem também foi destacada no mesmo jornal e em vários telejornais”.

Segue – O jovem midiativista compartilhou o vídeo por uma questao de honestidade. Talvez tenha se sentido “obrigado” a isso porque, como é comum entre os que se engajam na luta pela democratizaçao da comunicaçao, parta do pressuposto de que a mídia hegemônica, e os veículos das Organizaçoes Globo em particular, nao mostram “o que de fato aconteceu”. É o mesmo pressuposto da ediçao de muitos vídeos “independentes” que circulam na rede com a promessa de exibir “o que a televisao nao mostrou”, mesmo que, muitas vezes, tenha mostrado sim.

A propósito, foi também a grande imprensa – um fotógrafo de O Estado de S Paulo – que produziu a imagem-síntese desta greve: a da professora de meia idade que encarou a guarda como o chinês solitário diante dos tanques no massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989. A foto foi capa no jornal paulista e em O Dia (4a feira, 2/10). Dois dias depois, um repórter do jornal carioca publicava entrevista com a professora e associava as duas cenas.

A crítica simplista – Um dos equívocos recorrentes da militância é a substituiçao da atitude crítica pelo puro e simples proselitismo: entao, se percebemos que a mídia hegemônica está submetida a interesses empresariais e que suas promessas de isençao e imparcialidade nao ultrapassam a declaraçao de intençoes, achamos muito lógico rejeitar tudo o que provenha dela. É o que está na raiz da atitude de militantes que sistematicamente procuram impedir o trabalho de repórteres vinculados a essas empresas: partem do pressuposto de que a informaçao produzida por eles será “manipulada”, deturpada, ou que simplesmente nao vai sair. E, em nome da democracia, agem no sentido contrário, tentando estabelecer zonas de exceçao no uso do espaço público. Daí a surpresa de ver no Jornal Nacional “o que de fato aconteceu”.

O automatismo nas acusaçoes à “grande mídia” também facilita a proliferaçao de denúncias infundadas, como a de que O Globo havia publicado na capa de sua ediçao de 2/10 uma foto de vidraça quebrada, típica da atuaçao dos Black Blocs, em detrimento de imagens da violência policial contra os professores. Talvez essa foto, entre as muitas que documentavam a agressao contra os manifestantes, tenha sido destacada no site do jornal em algum momento do dia, mas a ediçao impressa traz capa bem diferente: uma bomba de gás em primeiro plano, espalhando fumaça, e policiais correndo. A foto da vidraça quebrada está de fato lá, mas numa página interna, e é jornalisticamente muito significativa: mostra um jovem do lado de fora, filmando com seu celular um segurança do banco atacado, que lhe aponta uma arma.

Por que O Globo, naquele dia, resolveu omitir cenas de violência em sua versao impressa, embora as acolhesse em seu site, é algo que só os editores poderao responder.

A crítica necessária – Cenas de violência explícita, entretanto, estao à vista de todos e hoje podem ser divulgadas por qualquer pessoa. Ignorá-las nao é a decisao editorial mais inteligente. O problema sao as relaçoes de interesse e solidariedade entre governos e empresas de mídia: essas permanecem ocultas e sao difíceis de comprovar, mesmo que denunciadas por vereadores da oposiçao em seus discursos. O que se pode constatar é o evidente favorecimento ao prefeito do Rio em sua “queda de braço” com os professores, principalmente pela ênfase do Globo à presença de militantes de partidos de esquerda na direçao do sindicato, como se isso, por si, desqualificasse as reivindicaçoes: as lideranças dos professores estariam instrumentalizando a categoria em nome de interesses particulares e escusos, enquanto o prefeito, embora também obviamente membro de um partido político, estaria agindo generosamente em benefício da populaçao e dos próprios profissionais do ensino.

Mas nao é apenas para nao pôr em causa interesses ocultos que o jornal descumpre seu compromisso fundamental de informar com clareza: a imprensa, de modo geral, e especialmente os telejornais, nao querem ou nao conseguem realizar uma apuraçao autônoma sobre o plano de cargos e salários, centro de toda a polêmica. Optam por “ouvir os dois lados” e eximem-se de interpretaçao própria, como se isso demonstrasse isençao. Foi precisamente o mesmo comportamento adotado na cobertura da greve dos professores de universidades federais, ano passado.

Todas da Sylvia Moretzsohn no Observatorio, leia aqui.

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