Orkut | Há 10 anos eu queria apenas ter 1 milhao de amigos

O último convite do Orkut por Gustavo Millerno blog de Bruno Scartozzoni: caldinas.com.br

Quando meu pai, um engenheiro turco de nome engraçado começou a me programar, acho que nem ele tinha ideia do que estava criando. Era para ser um projeto pessoal, daquelas brincadeiras que fazem sucesso no meio da galera nerd da repartiçao. Vocês conhecem essa empresa, um tal de Google…

Quem imaginava quem em 2004 a internet seria assim tão democrática? Ninguém sabia o que eram redes sociais, apenas sites de amizade! O que fazia sucesso no celular daquela época era o jogo da cobrinha e as pessoas só trocavam mensagens de texto pelo computador. Mas os emoticons, hoje mais conhecidos por emojis, já existiam!

Eu comecei a minha aventura nos EUA, mas nao dei muito certo por lá. Quem resolveu me abraçar foi esse país tropical, irreverente como as camisas de verao do meu pai, onde as pessoas guardam feijao no pote de sorvete e colocam areia com gosto de bacon no prato de comida.

Vocês, brasileiros, gostaram desse negócio da necessidade de um convite para me conhecerem. Teve gente que até pagou por um. Foi uma atitude arrogante minha na época, admito, mas funcionou. Todo mundo batia na minha porta e entrava na maior camaradagem. Era divertido ver o quanto vocês se divertiam com a brincadeira de categorizar seus amigos em “sexy”, confiável” ou “legal” – tinha de dar até três gelinhos de cubo nesse último, lembram?

E as frases inspiradoras que vocês colocavam em seus perfis?E os “testimonials” bregas, que deviam ser apagados, mas vocês esqueciam e deixavam no ar? Isso sem falar das comunidades, que tinham os nomes mais geniais. Minha predileta era aquela “nao fui eu, foi meu eu-lírico”. Isso nao é demais?

Mas o que eu mais gostava mesmo era o lance do “só add com scrap”. Rapaz, como eu me divertia com quem escrevia isso na descrição perfil, em caixa alta, com um monte de desenhos de peixes e corações formados pela organizaçao de caracteres de texto.

A diversao era tanta que nao percebi o momento que vocês começaram a parar de ficar comigo… Como imaginar que seria trocado por esse tal Facebook, mais sem graça que dançar com a irmã? Eu deixava vocês usarem GIFs, baixar música ilegal e nao ficava pagando de fiscalizador e defensor da moral, como esse Zuckerberg. Aprontou comigo? Eu deixava na cadeia (de mentirinha), mas era por pouco tempo.

Eu tinha minhas limitaçoes e vários problemas de segurança, OK, mas venham cá: nao é melhor um mundo sem feed de notícias? Um mundo sem algoritmos, sem termos como “impulsionar publicaçao” e sem convites para milhares de joguinhos? Quando sua mãe queria falar contigo no Orkut, ela tinha de enviar um “scrap” e dava tempo de você ler e apagar rapidinho a mensagem. Nesse Facebook nao: o mundo inteiro lê, compartilha e curte a vergonha alheia de ter a sua mae nas redes sociais. Dureza.

Vejam, nao quero ser nostálgico nem mal-humorado. Sou muito grato por esses 10 anos que vivi com vocês, juntos ou separados, e tenho muito orgulho das conexoes que surgiram a partir de mim. Quantos casais eu formei? Quantas amizades nao surgiram por conta de mim? Quantas vezes nao rompemos os limites da zoeira? Isso nao é demais?

Se tem uma coisa que escutei muito na última década é que os brasileiros nao têm memória e nao valorizam o passado. Como assim, se até hoje sou assunto de mesa de bar? Isso quando nao me citam por aí em forma de verbo: “orkutizar”. Falem mal, mas falem de mim, certo?

Sei que nao deu para sair no auge como o “Seinfeld” fez no final dos anos 90, afinal, na internet a ascensao e a queda andam próximas demais e a Lei de Moore é pesada. Mesmo assim eu queria um último ato, um último suspiro: o Google vai me desligar no dia 30 de setembro e essa será a data que constará na minha lápide: “Orkut: 24-1-2004 / 30-9-2014”.

Pois é, vou morrer. Só que não tenho um corpo físico para ser enterrado ou cremado, apenas milhares de números codificados. Após essa data irei sumir e se alguém tentar me acessar vai acabar caindo naquela página de “erro”. Se pudesse, eu guardaria tudo o que vocês criaram dentro de um enorme HD externo, com terabytes até dizer chega, mas hoje existe essa tal de nuvem, e confesso que prefiro ser lembrado no céu, nao debaixo da terra.

Por isso, se há 10 anos eu exigia um convite para que vocês me conhecessem, hoje eu é quem faço um convite: vamos guardar com carinho a nossa história, a nossa memória. O Google criou um tal de Takeout, um serviço que faz o backup de suas fotos, scraps, atividades, testimonials, enfim, tudo o que existe em seus perfis. OK, deve ter muita coisa embaraçadora por ali, mas e daí?

Vamos guardar aquelas imagens vergonhosas de vocês com roupas estranhas ou cortes de cabelo desastrosos. Vamos guardar aqueles textos melosos escritos para amigos que nem sao mais seus amigos. Vamos guardar aqueles testimonials pelo simples fato de serem testimonials.

Enfim, é isso. “Live fast, die young”. Nao estou triste, mas muito feliz por tudo o que vivemos e compartilhamos. Eu queria apenas ter 1 milhao de amigos há dez anos e consegui ter 40 milhoes só de brasileiros. Quem nesse mundo teve tantos amigos assim?

Isso nao é demais?

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