Retrospectivas 2013 – O que recebemos dos sistemas da mídia ainda é informaçao?

Luciano Martins Costa no Observatorio sob o titulo Ilusao e utopia na imprensa

Os jornais e revistas destes dias festivos trazem suas próprias versoes dos fatos que consideraram mais relevantes no ano que termina. Em geral, sao os acontecimentos que eles mesmos selecionaram ao longo do tempo, com os quais tentaram influenciar a opiniao dos cidadaos.

Como a imprensa, de modo geral, há muito mergulhou no processo de espetacularizaçao da notícia, tudo tem um certo ar de banalidade, como se o excesso de informaçoes transformasse toda novidade em um ato a ser superado no momento seguinte.

As imagens remetem a um mundo de emoçoes misturadas: o lutador com a perna fraturada, a presidente da República denunciando guerra psicológica na economia, ruas vazias e praias lotadas, tudo acaba na conta do entretenimento.

Um olhar sobre o conjunto do universo mediado, que alguns chamam de hipermediado, passa a convicçao de que o ambiente social, ou seja, o espaço público onde nos realizamos como seres sociais, está vazio de significados.

Se, como dizia Norbert Wiener, criador do conceito de Cibernética, o ciclo da comunicaçao reorganiza o mundo dos homens e das máquinas, criando uma resistência ao processo natural de nulificaçao, é preciso pensar se o que recebemos dos sistemas da mídia ainda é informaçao.

Boa parte do que a mídia apresenta como relevante nao passa do conjunto de ilusoes que formulam a estrutura simbólica da cultura de massa. Esse sistema institucional compoe um campo político próprio, com suas doutrinas e dogmas, e pode-se dizer que se assemelha muito ao sistema das religioes, onde a racionalidade é condicionada pelas crenças. Faz parte desse processo, por exemplo, tratar como ilusao as utopias coletivas, quase sempre apresentadas como objetivos inalcançáveis, em contraposiçao às potencialidades da vontade individual.

Uma dessas fantasias é exatamente a ideia de que existem seres superiores, capazes de produzir, por sua iniciativa particular, o paraíso capitalista. O ano de 2013 trouxe um exemplo catastrófico dessa ilusao específica, na figura do empresário Eike Batista.

Erigido a super-herói da iniciativa privada, ele montou um conglomerado de negócios com apoio do Estado, e tudo desmoronou quando se revelou que havia errado os cálculos de riscos numa empresa de petróleo. Quando foi à bancarrota, e sua fortuna caiu do patamar dos bilhoes para “meras” centenas de milhoes de reais, a imprensa passa a tratá-lo como um pária.

Esse fato específico, visto a partir do final desastroso, dissimula o que se passa no dia a dia da imprensa. Em geral, se olharmos para trás, acompanhando a retrospectiva proposta por jornais e revistas, o que vamos ver é uma coleçao de erros da própria mídia, com previsoes que nunca se realizaram, avaliaçoes que acabaram negadas pelos fatos, e análises que o tempo desmentiu.

No entanto, no apanhado seletivo do passado recente, omitem-se os erros e renova-se a crença na capacidade do sistema de produzir reflexoes lineares que possam se amoldar à realidade complexa e multifacetada. Como em todo processo comunicacional se produz sempre um padrao residual de informaçoes que se convenciona chamar de realidade, a imprensa trabalha esse resultado como se fosse a completa realidade.

O curioso exercício de ler as retrospectivas tendo ao lado aquilo que a mídia apresentou sobre cada fato em seu tempo mostra como esses padroes residuais se distanciam dos fatos reais.

Sabemos que o processo de educaçao de uma sociedade passa quase sempre pela capacidade de seus indivíduos de identificar os sinais de realidade em meio aos eventos ilusórios da vida. Um povo alienado dificilmente aprenderá a reconhecer e exercer seus direitos e deveres de cidadania e um dos papéis da imprensa é colocar na agenda pública as informaçoes socialmente mais relevantes e os meios para sua compreensao.

Até que ponto a manutençao de ilusoes favorece o conservadorismo? O que impede o sistema da mídia, poder estruturante da indústria cultural, de propor uma visao mais progressista do mundo?

Quando o ano termina e as pessoas se abrem a manifestaçoes de boa vontade, os balanços de notícias poderiam ser úteis para captar o que seria o desejo coletivo de uma sociedade melhor. Mas a seleçao da mídia é centrada em sua própria versao da história, uma versao particular que prefere a manutençao das coisas como elas sempre foram.

publicidade

publicidade