As revelaçoes da midia – ‘O que move a corte brasileira nao é a Justiça, é a política’

A capa da Veja do fim-de-semana nao é jornalismo, é argumentaçao escancarada para interferir nos fatos.

Aqui o que diz o Luciano Martins Costa do que viu nos jornais da 6a feira – texto pubicado originalmente no Observatorio da Imprensa.

Nas ediçoes da 6a feira, 13, os jornais fazem a crônica do jogo de futebol em que se transformou o julgamento da Açao Penal 470 no Supremo Tribunal Federal. Nao faltam ofensas pessoais, ironias de nível mediano, meias verdade e principalmente demonstraçoes explícitas de partidarismos nos debates que acompanham as declaraçoes de voto. Tudo detalhadamente publicizado pela televisao e pela internet, ao vivo e sem cortes.

Vistos na tela, os nobres ministros se revelam homens e mulheres comuns, quase todos nivelados pelo mesmo conjunto de paradigmas que faz do ambiente político no Brasil uma atmosfera cáustica na qual nao cabem sutilezas.

Da leitura dos jornais pode-se concluir que o que move as decisoes da mais elevada corte da Justiça brasileira nao é a Justiça: é a política. Portanto, se a própria imprensa deixa claro que os critérios técnicos e o conhecimento jurídico se amoldam às ideologias e preferências partidárias, nao há por que se preocupar com eventuais reaçøes da sociedade a esta ou àquela decisao judicial.

Os diários dizem, por exemplo, sem meias palavras, que o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, e o ministro Gilmar Mendes, que votaram contra a validade dos embargos infringentes, protelaram quanto puderam a conclusao da sessao, para evitar que houvesse tempo para o voto do decano do Tribunal, ministro Celso de Mello.

Sabe-se que Mello tem opiniao declarada em favor da aceitação do recurso, e o alongamento das manifestaçoes tinha como objetivo claro, segundo a imprensa, impedir que o último ministro a votar encerrasse a questao admitindo os embargos. Dessa forma, haveria tempo para tentar mudar sua opiniao até a próxima 4a feira, 18, quando o STF deverá concluir a votaçao.

No dicionário Aulete, a palavra “chicana”, tao deplorada no sistema da Justiça, é definida como:

“1. (Jur.). Açao ou resultado de impedir ou dificultar o andamento de um processo, com argumento ou questao irrelevante, ligada a aspectos técnicos ou a sutilezas e detalhes das leis; 2. Uso abusivo, distorcido, das formalidades, tecnicidades, sutilezas próprias ao funcionamento da justiça, ou, por extensao, de outras instituiçoes e atividades”.

Outras definiçoes falam em “açao capciosa”, “manobra de má fé”, “ardil”, “tramóia”, “trapaça” e “astúcia”.

Estaria a imprensa dizendo à sociedade que o presidente da Suprema Corte de Justiça, Joaquim Barbosa, e o ministro Gilmar Mendes se valeram de chicanas para impedir o voto do ministro Celso de Mello e impor suas opinioes pessoais ao colegiado?

Para usar uma expressao tirada do ambiente acadêmico pelo fenômeno midiático conhecido como Mídia Nínja, a análise da “narrativa” dos jornais permite apenas uma interpretaçao: manobras para adiar decisoes judiciais sao definidas como chicanas.

Mas nada parece surpreender os jornalistas, que tratam o Supremo Tribunal Federal como terreiro de cortiço. Nas ediçoes sobre o costumeiro bate-boca entre os ministros, nao faltam a estética das histórias em quadrinhos e a reproduçao de manifestações ofensivas trocadas entre suas excelências.

O Estado de S Paulo volta a utilizar a expressao “narrativa”, que parece ter caído no gosto de seus editores, para falar que, se a Corte aceitar o embargo interposto pelos advogados e, num novo julgamento, o ex-ministro José Dirceu conseguir se livrar da condenaçao por formaçao de quadrilha, a “narrativa” sobre o ex-ministro da Casa Civil teria que mudar.

Ora, a mesma análise de narrativa, aplicada à linguagem jornalística no trato desse escândalo, mostra que a maioria dos réus estava condenada antes da sentença, o que tem motivado afirmaçoes segundo as quais parte dos ministros age em consonância com o que vem da imprensa. Tal interpretaçao é reforçada nas ediçoes da 6a feira, quando os jornais comentam as justificativas dos votos.

Os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, que votaram contra a validade dos embargos infringentes, alegaram que a reabertura do caso poderia gerar indignaça o popular e descrédito para a Corte. De olho no que dizem os jornais, e com seus egos expostos na TV e na internet pela transmissåo direta das sessoes, os magistrados caem das alturas para a vala comum onde fervem as paixoes ideológicas.

Nas redes sociais, nao há como escapar do ambiente de arquibancada em que se transformou o julgamento. Nas bancas de apostas, nao há barbadas: mesmo se aceitos os embargos, pode ser que nada mude na retomada dos debates sobre o mérito.

As argumentaçoes dos nobres ministros miram lá adiante, na eleiçao presidencial de 2014, mas quanto mais se engalfinham os magistrados, menor será a influência de suas decisoes nas urnas.

publicidade

publicidade