Sobre o Enem | As inquietaçoes com as ameaças a ordem estabelecida

Transcrevo texto do Paulo Moreira Leite publicado originalmente no seu blog na Istoé sob o titulo ‘A guerra do Miojo’

Abre – “É claro que, como qualquer cidadao de bom senso, tenho muitas preocupaçoes sobre a qualidade do ensino de nossas escolas e o desempenho dos jovens em todas as fases de aprendizado. Mas confesso que nao entendo o escândalo em torno das redaçoes do Enem. Ou melhor: entendo perfeitamente”.

Desenvolve – “Nao passa de uma combinaçao de nossa velha hipocrisia em relaçao à garotada, combinada com um esforço permanente para desmoralizar toda iniciativa destinada a fortalecer a educaçao pública”.

Argumenta – “Vamos combinar que o português é uma língua complexa, de regras muito particulares e assimilaçao difícil. As exceçoes são frequentes, os casos especiais também”.

Estabelece – “O mais grave é que as regras sao submetidas a reformas ortográficas periódicas, o que torna o aprendizado um esforço permanente. O sujeito mal conseguiu memorizar as mudanças quando é informado que em algum ponto do universo foram aprovadas novas regras por motivos que só estao claros para quem reside em outra galáxia”.

Segue – “Profissional que lida com a língua portuguesa há quatro décadas, confesso que frequentemente me vejo às voltas com dúvidas e até cometo erros que poderiam ser motivo de humilhaçao pública num país onde a falta de educaçao formal chega a ser motivo de ofensa e preconceito”.

“No caso do Enem, esse comportamento se agrava por um esforço para condenar uma postura descontraída e irreverente dos estudantes. Tudo bem que é meio esquisito um sujeito interromper uma redaçao e dar uma receita de Miojo. Ou fazer um elogio a seu time de coraçao. Mas eu pergunto se isso é o mais importante. Provas de redaçao devem medir a capacidade de uma pessoa se expressar. Muito mais importante, portanto, é saber se a receita está bem redigida, com pontos, vírgulas e frases no local correto, do que implicar com o assunto escolhido. Basta ler a imprensa pátria para confirmar que a distinçao entre assuntos sérios e assuntos leves, questoes relevantes, puro entretenimento e bobagens comerciais tornou-se muito difícil de definir, certo?”

 “Essa postura de afirmar autoridade sobre a juventude é um traço de comportamento daninho. Reflete insegurança em relaçao ao futuro. No caso do Enem, há um agravante. O combate a todo esforço de melhorar a qualidade do ensino público é uma das bandeiras sagradas que unem os meios de comunicaçao, a rede privada e a indústria de vestibulares. Com muito mais virtudes do que defeitos, o Enem é uma ameaça à ordem criada pela privatizaçao da educaçao que se transformou em política de Estado durante o regime militar – e nunca foi questionada como era preciso”.

Conclui – “Cabe às autoridades aprimorar o Enem, sem impressionar-se com reaçoes histéricas nem cair na armadilha de fazer inúteis demonstraçoes de autoridade diante de uma garotada que, desde o início dos tempos, apenas irá dar risada daqueles que nao se esforçam para compreendê-la”.

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