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Tentando entender o protagonismo social da periferia e 1 certo machismo na midia
Por Luciano Martins Costa no Observatorio
Com exceçao da Folha de S Paulo, os principais jornais de circulaçao nacional nao parecem fazer um grande esforço para compreender o novo fenômeno social, conhecido como “rolezinho”. Na ediçao de ontem, 15, o Globo ignora o assunto e o Estado de S Paulo se limita a reproduzir manifestaçoes de autoridades da segurança pública e entidades que representam os shopping centers. A Folha busca as origens do movimento e produz sua própria versao da nova forma de protagonismo de jovens da periferia.
A iniciativa de marcar encontros que pode reunir centenas, milhares de jovens e adolescentes nos espaços abertos dos centros de compra tem origem nas redes sociais digitais e faz parte da consolidaçao, no espaço físico, de relacionamentos desenvolvidos no chamado ambiente virtual. O que acontece a seguir é da natureza dos protagonistas: gargalhadas, gritos, movimentos bruscos, manifestaçoes exageradas de entusiasmo. Farra, muita farra, que pode incluir correrias e longas filas pelos corredores dos shoppings – o antigo “trenzinho”, que agora se chama “bonde”.
Como muitas manifestaçoes culturais que surgiram nas comunidades oprimidas por traficantes e pelo poder corrompido da polícia, os “bondes” representam a mobilizaçao coletiva dos marginalizados. A expressao foi cunhada por traficantes nas favelas do Rio, com o sentido de blitz, de carga ligeira nos confrontos com seus concorrentes ou contra a polícia. Daí, a palavra evoluiu para definir os “arrastoes” na praia e, em seguida, a formaçao de grupos que se dirigiam aos bailes funk em áreas inseguras.
Os “bondes” dos jovens paulistanos que desembarcam em multidoes nos shopping centers têm simplesmente o sentido da reuniao, da açao coletiva cujo propósito é o de apenas realizar fisicamente a interaçao experimentada nas redes digitais e manifestar a alegria do encontro.
Acontece que esses palácios de consumo foram planejados para explorar a soma dos desejos individuais no ato da compra, e nao estao preparados para funcionar como palcos de manifestaçoes massivas.
A Folha de S. Paulo produz uma reportagem interessante sobre alguns protagonistas desse movimento, mas ao tentar se aproximar de um universo que seus jornalistas desconhecem, comete uma parcialidade e um erro grave.
A parcialidade consiste em definir os “rolezinhos” apenas como encontros entre meninos muito populares na rede social e suas admiradoras ou “amigas” do Facebook – a interpretaçao é machista e limitada à ideia de que os meninos, machos, têm a iniciativa e as meninas sao apenas as “tietes” que se deslocam para encontrar seus ídolos.
O erro grave consiste em expor a identidade e a imagem de um jovem de 17 anos, inimputável perante a lei, como sendo o “organizador” da concentraçao ocorrida no Shopping Center Itaquera no sábado, 11. O adolescente aparece no alto da primeira página, em fotografia destacada ao lado da manchete do jornal, e na página interna é mostrado novamente, com seu perfil descrito junto ao de outros supostos líderes dos “rolezinhos” – entre eles, um menino de 13 anos, apontado como um dos promotores do evento.
Além de submeter esses protagonistas à exibiçao pública, contrariando as normas legais, trata-se de mau jornalismo, pelo simples fato de que tais concentraçoes ocorrem numa cadeia de conexoes cujo centro é impossível definir.
Ao identificar 3 ou 4 jovens, e principalmente ao destacar um deles na primeira página, a Folha aponta o dedo e abre a possibilidade de que sejam visados por policiais, agentes de segurança dos shopping centers e até mesmo por criminosos com interesse em promover saques, com as consequências que se pode imaginar.
Aquilo que parece uma interessante sintonia do jornal com o mundo dos adolescentes da periferia nao passa de manifestação machista – presente na afirmaçao de que os “rolezinhos” sao feitos por meninas em ato de tietagem, negando a possibilidade de que elas também estejam apenas realizando seu direito de exercer a sociabilidade onde quiserem.
A versao de que o fenômeno se limita aos encontros de garotas devotadas a “don juans” da internet nao é apenas machista: é também elitista, ao abrigar um mal disfarçado preconceito, presente na afirmação de que nao há nenhuma “grande ideia” por trás do movimento.
Ora, para quem vive em comunidades com poucas opçoes de lazer, uma farra no shopping pode ser a melhor ideia da temporada e uma chance rara de protagonismo social.
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