Todos os foras do presidente | texto do Jayme Serva

O publicitário estava sob o maior nível de tensao de toda a sua carreira. Era o auge dela, ao mesmo tempo em que estava sob intensa saraivada, de um lado, e enorme pressao, de outro. No centro? Duas palavrinhas que soavam como uma avalanche sobre sua cabeça: “Fora, Temer”. Logo agora, que ele havia resgatado o antigo “Ordem e progresso”, com brilho e destreza, causando inveja aos Nizans, Washingtons, Nelsons e tantos outros que antes desdenhavam seu talento. Nao conseguia dormir mais de 10 minutos seguidos.

Mas naquela madrugada, ao acordar engasgando com a própria saliva, da tosse emergiu uma soluçao: “Bora, Temer!” Eureka! Era aquilo! 7 e quinze da manhã, chega à ante-sala do chefe máximo com um cartaz embaixo do braço, montado em papel duplex. O chefe de gabinete vê aquilo, olha para o publicitário, que tem um estranho brilho nos olhos. Dá uma desculpa qualquer, pede que o homem deixe a peça ali, que a mostraria sem falta ao chefe.

Voltando para o pequeno apartamento alugado em Brasília, o homem mal para no bar da quadra, ainda vazio, come meia coxinha e sobe. Tenso, senta-se numa cadeira dura e pensa na incrível ideia que tivera. “Bora, Temer”. O Brasil todo repetiria aquele mantra. De repente, do nada – como soem ser os grandes insights – vem a ideia genial. Antes que ela se perdesse no ar, ele corre ao computador e se poe a escrever, sofregamente. Nao pára ao longo de uma hora. Entao, olha para a tela, com o ar de um Colombo avistando sua San Salvador, salva a preciosidade e ato contínuo tecla ctrl-P.

Enquanto a velha impressora começa a vomitar as folhas de papel, ele cai no sofá, exausto, e mergulha em um sono reparador, que só termina na manhã seguinte. Assim que acorda, salta do sofá e vê junto à impressora as folhas soltas. Junta-as e sai, sem banho, sem se barbear, com a mesma roupa da véspera, e corre até o palácio. Espera por torturantes duas horas até que o chefe de gabinete o atenda. Entra na sala com um ar que mistura súplica com a loucura dos gênios em criaçao. Quase gritando, declara:
– Descobri! Tudo está resolvido!
– Como? pergunta o embasbacado burocrata.
– A comunicaçao do Presidente. Ela está toda resolvida.

E antes que o outro dissesse alguma coisa, ele começa:
– Bora, Temer! Depois, vem Cora, Temer – para quando ele for elogiado! Cobra, Temer – pra quando for preciso exigir de seus ministros! Flora, Temer – pra quando for defender o meio ambiente! Mora, Temer – pra quando receber o Roberto Carlos! Torá, Temer – pra finalmente receber as credenciais do embaixador de Israel! Foca, Temer – durante entrevistas a estudantes de jornalismo! Toca, Temer – em festinhas de aniversário onde houver um piano! Chora, Temer – pra ocasioes de forte emoçao, como o encontro de Carlos Magno com Ivanhoé…

O homem seguia a leitura, sem parar, quase sem respirar. Nao notou quando o chefe de gabinete foi discretamente ao telefone.
– Coca, Temer – pra quando o presidente recusar um guaraná!, Fofa, Temer…

Foram apenas cinco minutos até que a segurança acompanhada de um rapaz de branco, com uma seringa na mao, apareceu. O chefe de gabinete voltou a suas tarefas, nao sem antes um leve balanço de cabeça. Mais tarde, o enfermeiro naquele sanatório do Setor de Áreas Isoladas Norte se arrepiou com o lamento repetido como um mantra, que vinha do quarto do novo paciente.
– Metáfora, Temer! Diáspora, Temer! Dulcora, Temer! Passiflora, Temer! Aquiagora, Temer! Vamboravamboraolhahora, Temer!

O enfermeiro acendeu um cigarro. Era cada noite pior que a outra.

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