Torcer e distorcer fazem a graça do futebol. No jornalismo, é ridículo

Luciano Martins Costa publicado no Observatorio

O futebol, com sua mitologia e suas crenças, coloca na pauta da imprensa a expressao em inglês wishful thinking – que pode ser traduzida como “pensamento mágico”, ou, como preferem alguns filósofos, a “falácia da esperança”. Trata-se de um raciocínio supostamente lógico segundo o qual, fazendo-se certa coisa, se vai produzir um efeito determinado (…..)

O texto do Luciano refere o comportamento de torcedores que, diante das telas, repetem rituais, vestem a mesma cueca ou sentam na mesma posiçao por acreditarem que tais escolhas vao interferir favoravelmente no resultado do jogo.

Como “pensamento mágico”, atitudes como essas se manifestam na crença de que objetos, atos ou palavras têm o condao de mudar a realidade. Como “falácia da esperança”, expressam a convicçao de que basta a fé para mudar uma relaçao de probabilidades absolutamente adversa. Com isso, temos também um paradigma para observar as escolhas editoriais na rotina da própria imprensa.

Veja-se, por exemplo, o noticiário sobre o vai-e-vem das alianças que se armam para as próximas eleiçoes: há uma tendência do noticiário a destacar eventuais defecçoes entre os que apoiam a reeleiçao da presidenta Dilma Rousseff, como se a “torcida” da imprensa fosse suficiente para alterar o jogo de forças da política.

A expressao “torcida”, aqui, ganha o sentido literal, já que estamos falando de torçao e distorçao, fenômenos presentes nas práticas cotidianas da mídia hegemônica.

O leitor ou leitora que tenha folheado distraidamente os jornais nos últimos dias é levado a pensar que as hostes governistas estao se esvaziando com a fuga de legendas para a aliança oposicionista. Hoje, 25, uma reportagem de página inteira no Estado de S.Paulo afirma que “aliados ameaçam governo para aumentar capital político às vésperas de convençoes”. No entanto, o gráfico que acompanha a reportagem mostra que a chapa da situaçao conta com exatamente o dobro do tempo das duas principais chapas concorrentes, somadas, na propaganda eleitoral pela TV. Além disso, o conjunto das notícias de política mostra que as defecçoes sao pontuais, basicamente no âmbito dos estados, nao afetando a distribuiçao atual de forças.

No noticiário e nas opinioes selecionadas pela mídia, há uma clara intençao de produzir um desgaste na imagem do atual governo, ressaltando erros e desentendimentos, e utilizar esse mesmo material para “demonstrar” que tais ocorrências estariam diminuindo as chances de reeleiçao da presidenta.

A imprensa dominante nao esconde suas cores, mas a realidade insiste em resistir ao pensamento mágico. Torcer e distorcer fazem a graça do futebol. No jornalismo, é ridículo.

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