A unanimidade da midia avaliada por Luciano Martins Costa – preocupante

Luciano Martins Costa – texto publicado no Observatorio na 5a feira, 3

A leitura diária dos jornais pode produzir um efeito anestesiante sobre a percepçao do valor simbólico dos fatos narrados. Na chamada imprensa genérica, detalhes sobre a profissao, idade, gênero ou status social de uma vítima de homicídio, por exemplo, podem alterar os sentimentos produzidos pela notícia: se o morto é um ajudante de pedreiro, ou se é um empresário, se é homem ou mulher, se é branco ou nao, se é um jovem de classe média ou morador de favela, sao inúmeros os signos que podem definir o efeito sobre o público típico dos jornais, e, portanto, o interesse da imprensa em explorar o acontecido.

Essas sao características inerentes a qualquer fato que venha a público através da mídia tradicional. Assim, pode-se imaginar a seguinte situaçao na rotina dos diários:

1 menino sai da favela empinando sua pipa e morre atropelado na rodovia; no mesmo dia, o cachorro de uma celebridade escapa da guia e é morto ao atravessar a Avenida Paulista. Qual dos dois fatos tem mais possibilidade de sair no jornal?

O primeiro acontecimento só vai virar notícia se os moradores da favela decidirem bloquear a rodovia em protesto contra a falta de segurança, vertendo o evento fúnebre em fato social e econômico. Essa característica se repete na política e no noticiário econômico, mas a decisao editorial, nestes casos, nao se prende ao interesse de satisfazer a curiosidade ou as preferências dos leitores, mas de influenciar seus valores.

No eixo principal do jornalismo praticado pelos veículos de maior prestígio, o processo decisório se inverte, e a imprensa procura impor ao leitor uma visao pré-elaborada. Na política e na economia, os fatos têm que se adequar à opiniao.

Observe-se, sob esse critério, a convergência entre o noticiário político e o econômico nas ediçoes dos 3 principais diários de circulaçao nacional da 5a feira, 3. Além dos fatos do dia, como a proposta de mais uma CPI no Congresso e a crônica das costumeiras rebelioes nas bases parlamentares em época eleitoral, os jornais jogam com a expectativa de uma pesquisa de intençao de voto que está sendo elaborada pelo Datafolha, e certos fatos econômicos sao imediatamente atrelados aos resultados que nem foram anunciados.

Parece claro, para quem lê os jornais do dia, que os editores já estão informados de que a pesquisa irá apontar no dia seguinte uma queda na vantagem que a atual presidente da República, Dilma Rousseff, mantém sobre seus potenciais adversários desde as primeiras consultas.

Numa conexao interessante, a imprensa noticia uma melhora no desempenho da Bolsa de Valores, afirmando que, sondando o mercado, foi detectado um aumento do otimismo por conta de boatos sobre a possibilidade da atual presidente ter perdido pontos com os eleitores.

O fato concreto é que a Bolsa foi impulsionada por um forte ingresso de recursos estrangeiros, subindo 2,85%, com o volume de negócios recuperando as perdas do início do ano.

Há muitos elementos nos próprios jornais a indicar outras razoes para otimismo, entre as quais se pode apontar o aumento do investimento estrangeiro direto – dinheiro que compra participaçao em empresas nacionais ou em infraestrutura – que favorece o movimento de negócios com açoes e títulos.

Também se pode afirmar que a Bolsa é influenciada por muitos fatos positivos noticiados pela imprensa no mesmo dia. Por exemplo, o número de famílias paulistanas endividadas é o menor dos últimos 15 meses. Outro exemplo: a produçao da indústria cresceu, em fevereiro, pelo 2o mês consecutivo, apontando para um aumento do Produto Interno Bruto no 1o trimestre. Um 3o exemplo: dados do Dieese publicados na mesma 5a feira (3) informam que a recuperaçao do poder de compra dos salários segue em plena força: em 2013, nada menos do que 87% dos reajustes salariais superaram a inflaçao.

Há outros elementos positivos, como o recuo no preço dos imóveis, abaixo do índice inflacionário do setor. Além disso, embora o IPC aponte um aumento da inflaçao acumulada para o ano, a expectativa ficou abaixo das previsoes da imprensa, mesmo considerando o aumento do preço dos combustíveis e os efeitos da estiagem ou das chuvas excessivas sobre os alimentos.

Mas a imprensa credita o otimismo da Bolsa de Valores unicamente à suposiçao de que o “humor” do mercado melhorou com boatos em torno da pesquisa Datafolha sobre intençao de voto. Nao seria o caso de investigar esse possível vazamento de informaçoes?

publicidade

publicidade