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‘Vc viu só a dosimetria?’ – As grds coberturas da TV logo mudam o repertório geral :)
A razao talvez esteja na precocidade da nossa mídia de massa (nossa primeira emissora de televisao, a PRF-3-TV Tupi, é de 1950, a 4a do mundo aberta ao público), que tomou o lugar de livros e jornais no ensinar o brasileiro a falar e se expressar, independente do domínio da língua escrita. O fato é que as grandes coberturas da TV vao além de comover, emocionar, mobilizar. Elas modificam rapídamente o repertório geral, trazendo às salas de estar, aos botecos, aos pontos de ônibus 1 vocabulário que é estritamente técnico, às vezes no limite do enfadonho ;)
É o caso do tantalizante julgamento do chamado mensalao, que leva a tia atenta a comentar com a sobrinha nao menos avisada – “Você viu só a dosimetria?” – “Sim, mas a tia nao acha que houve uma alteraçao muito radical de jurisprudência?” – “Ah, minha querida, mas se nao fosse o critério do domínio do fato, saía todo mundo pela porta da frente, rindo” – “Lá isso é. Mas que charme o Ministro Joaquim, hein?”
As tecnicalidades mais específicas tomam conta do jargao popular. Quando Tancredo Neves agonizava e o Brasil inteiro tentava jogar sobre ele as melhores energias, era impossível entrar numa sala com mais duas pessoas sem entreouvir – “Você viu a creatinina?” “Nao! Subiu?” “Subiu, e muito…” “Mas e a ureia? Como está a ureia?” “Ah, meu caro, nas nuvens!” “É, a coisa é mesmo séria…”.
Temos uma imensa capacidade de rapidamente apreender a superfície dos campos do conhecimento e, mais do que isso, verbalizar, com fluência, conceitos que nem sempre conhecemos com profundidade. Nao será por isso que a nossa capacidade de fazer boa propaganda permanece firme e forte, geraçao após geraçao?
Jayme Serva, publicitário, educador e editor, é diretor da Editora Neotropica. Foi redator e diretor em agências multinacionais, como Newcomm-Bates, Publicis-Norton e Wunderman, e brasileiras, como Milk e Guimaraes. Volta a escrever para o Blue Bus depois de 4 anos :)
Julio Winck
Convenhamos, para vender certos produtos e serviços no Brasil, só mesmo com a ajuda de comerciais persuasivos, milhões de reais no horário “pobre” e um povo culturalmente muito superficial. Sucesso da propaganda brasileira tem mais a ver com o baixo discernimento geral do brasileiro do que uma suposta “genialidade” dos publicitários.
Jayme
Julio, como diriam os amigos do hemisfério norte, you have a point there :)
Julio Winck
E o povo brasileiro é tão superficial que “compra” até mesmo os candidatos políticos no horário eleitoral que gastam as maiores verbas e apresentam propagandas bem produzidas. É o tal “foco invertido”, faz a cabeça com a forma e não questiona o conteúdo.
Jayme Serva
Julio, eu tenho a impressão de que a absoluta predominância, pra não dizer onipresença, da TV contribuiu muito, nos últimos 60 anos, pra esse predomínio da forma, da visão de curto prazo, do achismo.